A "maldição" dos recursos já é uma realidade em Moçambique
Nos dias 22 e 23 de maio aconteceu na capital moçambicana a "Conferência Internacional sobre Governação da Economia Extractiva", cujo tema foi "Recursos Naturais: Benção ou Maldição".
O CPI, Centro de Integridade Pública, criticou, por exemplo, o secretismo na celebração dos contratos entre as multinacionais e o Governo.
De acordo com Adriano Nuvunga, diretor da organização, o Estado não tem metade do que se sabe sobre as receitas da produção do gás natural da petroquímica sul-africana Sasol: " A desproporção é tão grande que estas empresas estão preparadas não só para se beneficar por via de cláusulas contratuais excessivamente generosas, como também, e sobretudo, através de todos os esquemas que vão fazer para não pagar."
Em África, as multinacionais exploram recursos há mais de 10 anos, mas continuam pobres e dependentes da ajuda externa. Segundo a IBIS, uma ONG dinamarquesa, a situação é inexplicável.
Anne Hoff, da IBIS, fundamenta o seu argumento: "Nalguns países africanos, a existência e exploração não se tem traduzido em crescimento económico que se converta em desenvolviento humano, embora os mesmos estejam a ser explorados há décadas."
Face a esses exemplo a colaboradora da organização dinamarquesa deixa uma sugestão ao Executivo de Armando Guebuza: "Daí justificar-se que Moçambque reflita sobre o que pretende que seja a sua situação, aprendendo com o que sucedeu ou está a suceder noutros contextos."
Ponderação em nome do desenvolvimento social
Por seu lado, a embaixadora da Suécia em Moçambique, Ulla Andrén, disse que o mais importante para que os recuros não sejam uma maldição, é a existência de um quadro legal claro, eficaz e não só.
Ulla Andrén alerta ainda para uma visão a longo prazo: "É fundamental que haja uma boa governação para que as pessoas se possam beneficar para alcançar o desenvolvimento social, económico e ambiental desejado. Não só hoje mas também amanhã."
O político e um dos fundadores do Estado moçambicano, Sérgio Vieira, critica as multinacionais, afirmando que elas apenas querem tirar tudo de África sem beneficar os africanos: "O que se lhes dá em troca. Uma casa a dezenas de quilómetros quando nunca pediram uma casa? Uma machamba quando já possuíam? Um local de pasto quando já pastoreavam? O que ganha o investidor, dezenas ou centenas de milhões de dólares."
A crítica esteve centrada no reassentamento de oleiros em Cateme, na província central de Tete, uma região árida e onde a população não tem as mesmas condições de vida que na zona de origem. Estes tiveram de ceder as suas terras à empresa mineira Vale para explorar carvão mineral.
Governo chamado a intervir
Aliás, a organização de defesa dos Direitos do Homem Human Rights Watch (HRW) acaba de publicar um relatório sobre o assunto, no qual recomenda ao Governo de Moçambique a trabalhar com as multinacionais Vale e Rio Tinto, para que a população tenha terras férteis.
"O que é uma casa sem alimentos?" é o título do relatório da HRW que também denuncia que comunidades estão a viver períodos de incerteza alimentar ou ficam
na dependência direta da Vale e da Rio Tinto, as duas companhias com as
maiores concessões mineiras no distrito de Moatize.
Este problema está a afetar 1.429 residentes em Tete, uma província onde se estima
possam vir a ser extraídas 23 mil milhões de toneladas de carvão, de acordo
com informações governamentais divulgadas em 2012.
A pesquisadora daquela organização internacional, Nisha Varia, disse ter constatado que os oleiros não dependiam de ninguém para a sua sobrevivência: "Era uma comunidade auto-sustentada. Vivia igualmente de outras profissões, como a extração de ouro e agricultura. Havia mercados perto para vender os seus produtos ou comprar. Agora têm de percorrer 40 quilómetros para encontrar mercados, em Moatize."
A pesquisadora refere que a população devia ter terra fértil para continuar a produzir comida. Como tal, o Governo deve assumir estas responsabilidades no reassentamento: "Quando o Governo publicou um decreto em 2012, para retirar a população, esta não foi consultada, nem algumas organizações não governamentais foram ouvidas."
Nisha Varia questiona ainda o processo de reassentamento: "Não houve transparência e quando a população é transferida não deve esperar muito tempo para que as condições da sua vida melhorem."
Entretanto, em comunicado, a empresa brasileira Vale reagiu às críticas da Human Rights Watch, afirmando que respeitou "os direitos humanos e padrões internacionais".