As histórias mais interessantes da Bundesliga - parte 2
5 de agosto de 20131. O erro que custou a carreira de um juiz
Em 23 de Abril de 1994, o Bayern de Munique jogava contra o 1. FC Nürnberg a antepenúltima partida da temporada. Era líder e estava a poucos passos do título. A partida era um clássico, contra o desesperado Nürnberg, que lutava contra o rebaixamento. O estádio em Munique recebia 63 mil pessoas. Estava lotado.
Aos 24 minutos, o placar continuava 0 a 0 e o Bayern pressionava muito. Conseguiram um escanteio pela direita. Na cobrança, a bola chega à primeira trave e é escorada para trás. Em cima da linha do gol, o zagueiro Thomas Helmer tem a chance de marcar. O goleiro Andy Köpke mergulha para defender.
Pressionado pelo defensor do Nürnberg a suas costas, Helmer se atrapalha e deixa a bola passar entre suas pernas. A bola vai para fora. Uma situação claríssima de gol foi perdida? Na verdade não! O árbitro decide dar o gol para o Bayern. Um gol que só ele viu. "Eu mesmo não conseguia decidir. Eu tinha minhas dúvidas. Então eu recebi a confirmação do bandeirinha por um sinal. Devido a este sinal eu tomei esta decisão", explica o juiz do jogo, Hans-Joachim Osmers.
O bandeirinha Jörg Jablonski tem certeza que a bola cruzou a linha. O estádio de Munique vibra. Helmer não tinha objeções. "Quando você vê a imagem, Andy Köpke está bem atrás da linha. Minha única explicação na hora era que a bola poderia, eventualmente, ter transposto a linha antes, mas isto não aconteceu. Mas eu também não vi na hora do lance. Por isso a gente hesitou dez, 15 segundos para comemorar, o que já é bastante tempo", disse o zagueiro do Bayern.
O Bayern de Munique sai na frente em uma partida que terminaria 2 a 1 para o Bayern. O jogo ainda poderia ter terminado empatado se Manfred Schwabl não perdesse um pênalti para o Nürnberg. Para o trio de arbitragem, a partida continuava repercutindo na mídia. O juiz Osmers vivia um pesadelo. "É, hoje foi um dia bem ruim. Eu cheguei bem tarde de Munique. Para minha família, em casa, aconteceram desde xingamentos até ameaças de morte. As últimas horas foram muito ruins", disse o árbitro na época.
O Nürnberg protestou junto à Federação Alemã de Futebol (DFB) que acabou anulando a decisão de Osmers e a partida. Em novo jogo, o Bayern goleou o Nürnberg por 5 a 0 sem precisar da ajuda do juiz. Os bávaros foram campeões e o Nürnberg caiu para a segunda divisão. Se a primeira partida tivesse terminado empatada, não haveria protesto. O Kaiserslautern teria sido o campeão e o Freiburg teria caído ao invés do Nürnberg.
"O que aconteceu comigo foi um desastre. O lance é mostrado sempre na mídia. Alguém sempre comenta novamente uma vez ou outra. Eu não posso apagar nada sobre isto. Pode-se dizer claramente e drasticamente que eu vou levar isto para o túmulo", explica o juiz que apitou somente por mais um ano. Já o bandeirinha Jablonski atuou depois apenas pela liga regional.
2. Giovanni Trappatoni - o treinador folclórico
A expressão "garrafas vazias" e outras empregadas de um jeito muito próprio de falar alemão, sem exatidão gramatical, acabaram marcando a passagem do italiano Giovanni Trapattoni pela Bundesliga. A repercussão de suas declarações acabaram fazendo com que tais expressões entrassem na linguagem e para o folclore do futebol alemão. Trapattoni nasceu em Milão em 1939. Treinou o Bayern na temporada 1994-95 e 1996-97.
As declarações dadas por Trapattoni em 10 de Março de 1998 são apontadas pela crónica esportiva do país como as mais engraçadas da história da Bundesliga. Foi num momento de fúria do treinador, que criticou severamente os seus jogadores. Dois dias antes, o Bayern praticamente perdeu o título alemão sendo derrotado em casa pelo Schalke.
Os principais alvos de Trapattoni na histórica conferência de imprensa eram Mario Basler, Mehmet Scholl e Thomas Struntz:
"Um treinador não é um idiota. Um treinador vê o que acontece no lugar. No jogo, eram dois, três ou quatro jogadores que estavam fracos como uma "garrafa vazia". Vocês viram na quarta-feira, qual equipe jogou na quarta-feira? O Mehmet jogou, jogou Basler ou o Trapattoni jogou? Estes jogadores reclamam mais do que jogam. Vocês sabem porque os times italianos não compram estes jogadores. Porque eles viram muitas vezes esses jogos. Disseram não serem jogadores para as equipes campeãs da Itália.
O Strunz está há dois anos aqui. Jogou dez jogos. Está sempre lesionado. O que "libera" o Strunz. Ano passado, campeão com Hamann eh… Nerlinger. Estes jogadores foram jogadores e foram campeões. Está sempre machucado. Jogou 25 jogos na equipe, neste clube. Tem que respeitar os outros colegas!
"Eles têm muitos colegas bons e colocam estes colegas em questão! Não têm "coragem na palavra"… mas eu sei o que pensar destes jogadores. Eles têm agora que mostrar. Eu quero! Sábado, estes jogadores têm que me mostrar. Mostrar para os fãs. Têm que ganhar sozinhos este jogo. Agora, estou cansado de ser pai destes jogadores. Sempre defender… Eu tenho sempre "a culpa" sobre estes jogadores. Um é o Mário, um outro é o Mehmet!! Na comparação, o Strunz não faz diferença. Jogou só 25 por cento dos jogos!"
Analisando a história do Bayern de lá para cá, a entrevista de Trapatoni foi um divisor de águas. Pouco tempo depois o treinador deixou o Bayern. Quem assumiu a equipe foi Ottmar Hitzfeld. O clube que antes vivia um caos, foi apelidado de "Futebol Clube de Hollywood", devido as estrelas e ao espetáculo em campo. Evoluiu bastante em termos de organização e confirmaria a supremacia no futebol do país nos anos seguintes.
3. Volker Finke - o treinador revolucionário
Um professor licenciado de matemática e ciências sociais. Em seu currículo, existem alguns sucessos esportivos com equipes de tênis e voleibol. Ele conduziu TSV Havelse, de uma pequena cidade alemã, para a Segunda Divisão, resgatando a honra. Volker Finke chegou ao futebol profissional com uma imagem intocada.
E com potencial de análise privilegiado, ele percebeu uma lacuna na Bundesliga. "Entre as outras ligas da Europa, os clubes alemães são os que mais tempo trabalharam as equipes de forma hierárquica. Existe o camisa 10 que cria as jogadas, o artilheiro e o chefe da defesa", explica Finke.
O treinador tenta unir jogadores que mostram algumas características em comum como compreensão tática, abertura para ideias do treinador e um bom controle de bola. Com o chamado "jogo de atalhos", ele treinou o SC Freiburg. Sua equipe conquistou um nicho.
"O que era aqui na Alemanha algo completamente estranho nos anos 1990, principalmente na primeira metade daquela década, foi a passagem de funções de um jogador para outro. A marcação era sempre por jogador: no criador das jogadas, no atacante e cruzando... Mas quando se sabe jogar sem a bola, tem-se vantagem. Dessa forma se poderia ser bem sucedido sem muito dinheiro nem grandes estrelas", lembra.
Jogar sem a bola, com os jogadores trocando posições, noção de cobertura, movimentação coordenada entraram cada vez mais em foco. O modelo ficou conhecido como uma fórmula de sucesso para equipes com menos estrelas. Nos anos 1990 até mesmo a função de "líbero", um jogador da defesa que era, de certa forma, privilegiado, acabou desaparecendo.
Era preferido um esquema com três ou quatro defensores e com mais presença no meio-campo. Exatamente ali, as equipes teriam mais vantagem. É um esquema entendido por Finke como uma inteligência articulada de um grupo, como um enxame ou mesmo um formigueiro, fazendo-se uma analogia.
Enquanto os jogadores de sua equipe, o SC Freiburg - Cardoso, Heidenreich e Todt se preocupavam diminuir a distância da bola, do outro lado ficava sempre um adversário livre. Ele se lembra que seu conceito demorou para ser assimilado. "O público normal, que não sabia que tudo havia sido organizado antes, costumava tentar ajudar e alguns gritavam: "vocês tem que marcar melhor, aqui está sobrando um". Mas, olha só: se você aumenta a proximidade da bola, claro que vai sobrar um adversário livre em algum lugar", afirma o treinador.
Teria sido o Freiburg responsável por uma mudança de era no futebol? Claro que não. Mas Finke e seu time revolucionário mostraram claramente que ainda se tinha muito para evoluir na Bundesliga. O Freiburg não é um time rico e amargou até hoje três rebaixamentos. Mas hoje é um time que não pode ficar fora da história dos 50 anos da Bundesliga, e a contribuição deste clube para o futebol, menos ainda.