Bancos também têm responsabilidade na dívida moçambicana?
10 de junho de 2016Os bancos Credit Suisse e VTB estão a ser investigados pelo supervisor financeiro britânico no âmbito da reestruturação da dívida da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), devido a possíveis violações de obrigações de informações prestadas aos investidores no negócio. Segundo a publicação norte-americana The Wall Street Journal, houve investidores que terão adquirido títulos sem terem toda a informação sobre os problemas ligados à polémica empresa.
Numa altura em que o Estado moçambicano é chamado a prestar a contas sobre essa empresa, já que assumiu a sua dívida perante a incapacidade de ela a pagar, questiona-se também o papel desses bancos. A DW África entrevistou Fernanda Massarongo, pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
DW África: Como é que bancos bem conceituados no mercado internacional se arriscam a financiar países considerados à margem do sistema financeiro internacional, sem garantias?
Fernanda Massarongo (FM): Essa é a pergunta que todos fazem e, neste momento, estão a ser levadas a cabo investigações exatamente por causa de todas essas incógnitas. O normal em qualquer banco é fazer uma análise aprofundada sobre qualquer projeto de investimento que lhe é posto à mesa - é preciso avaliar a taxa de retorno, o capital, a relação entre o custo do projeto, a capacidade de payback, etc. [Mas] não me parece que este cuidado tenha sido tomado nos projetos ligados à dívida secreta. Até hoje, a EMATUM [um dos casos financiados pelo Credit Suisse Bank e pelo russo VTB Bank] só tem metade dos barcos. Falo da EMATUM porque é o caso com mais informações disponíveis atualmente. Então, paira a questão: Que tipo de projeto de investimento foi apresentado aos bancos? E que tipo de discussão ou análise de risco foi feita, que testes foram feitos aos planos de negócios? Também paira outra questão: Foi realmente feita uma análise de impacto social dos próprios projetos? Essa é uma questão que não é só nossa, mas de todo o sistema financeiro internacional e, talvez, principalmente dos próprios investidores envolvidos nesse projeto.
DW África: Os investidores na operação de recompra de títulos de dívida da EMATUM dizem que não foram informados de um outro empréstimo concedido pelos mesmos bancos envolvidos na operação. Este é mais um exemplo que nos pode levar a suspeitar que tenha havido má-fé por parte desses bancos?
FM: Acho que ainda é preciso muita investigação para se afirmar alguma coisa. Mas obviamente já circulam informações sobre os gestores de um dos bancos que esteve envolvido nesse processo, sobre a sua ligação com os produtores dos barcos. Penso que, ainda assim, é preciso fazer uma investigação aprofundada para se ter matéria para afirmar que foi má-fé ou desleixo de uma das partes.
Até agora a informação está pouco clara, como acontece normalmente em outros casos, e realmente coloca uma hipótese de haver má-fé. Mas boa parte disso está ligado ao boom das commodities. Sabemos que os países africanos beneficiaram do aumento dos preços das principais commodities por volta de 2012 e 2013 e, neste contexto, as expetativas em volta desses países, incluindo Moçambique, eram muito elevadas. Penso que é preciso fazer-se primeiro uma investigação. Seria também importante haver uma maior disponibilização de informação, tanto da parte do Governo como por parte dos próprios bancos.
DW África: Imaginemos que o Governo se recusa a pagar a dívida, assumindo que ela é ilegal, quais seriam as consequências para Moçambique?
FM: Moçambique teria de fazer, neste caso, uma escolha entre privilegiar as relações com os mercados internacionais ou privilegiar a ilegalidade da dívida. E, acreditando que Moçambique está, neste momento, num processo de desenvolvimento que é altamente dependente de capitais externos, seja por via da ajuda, provavelmente seria bastante arriscado recusar-se a pagar essa dívida.
Sabemos que os ratings de crédito das agências de notação financeira internacional baseiam-se também na coerência de políticas do país envolvido. Então, penso que Moçambique talvez poderia ser colocado como um país que não é coerente e que não é credível. Sim, é possível que isso viesse a afetar a sua visibilidade.