Camarões: Cinco anos de violência sem fim à vista
1 de outubro de 2021Cinco anos após o início da crise, as duas regiões camaronesas onde se fala inglês transformaram-se numa zona de guerra. As consequências são nefastas: vidas perdidas, propriedade destruída e, segundo o mais recente relatório do Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA), há um impacto muito negativo na educação: "Muitas escolas fecharam para evitar os ataques frequentes contra as instalações de ensino. Professores e estudantes têm sido atacados, raptados, ameaçados e mortos. Em 2021, mais de 700.000 crianças foram privadas de educação nas regiões do noroeste e sudoeste", alerta a agência da ONU.
A situação é sentida como muito desencorajadora pelo advogado Felix Agbor Nkongho, especializado em direitos humanos, que foi membro do extinto Consórcio da Sociedade Civil Anglófona dos Camarões (CACSC). A organização liderou a primeira vaga de protestos pacíficos contra a marginalização das regiões anglófonas pelo Governo federal em 2016. Mas Agbor Nkongho realça que a violência nunca fez parte da estratégia. "Ninguém tinha uma bola de cristal para ver o futuro", disse o ativista à DW. "Ninguém previu a violência".
No princípio era a paz
Inicialmente a ideia era encerrar o comércio e boicotar as escolas por um curto espaço de tempo para pressionar o Governo. Agbor Nkongho culpa Yaoundé de ter empolgado a situação. "Tratava-se apenas de chamar a atenção da comunidade internacional para o que estávamos a sofrer como povo", disse Nkongho. "Antes do nosso grupo ser ilegalizado, estávamos até a planear cancelar o boicote às escolas", acrescentou.
Hoje, a situação nas regiões anglófonas dos Camarões é de insegurança e incerteza. Emmanuel Ndong, chefe-adjunto da Defesa do autoproclamado Conselho de Governo de Ambazónia (AGovC), explica o que levou ao movimento separatista: "Os Camarões do Sul, a que hoje chamamos Ambazónia, tornaram-se independentes do Reino Unido na sequência da Resolução 1608 da ONU de 1 de outubro de 1961". É nesta base que o movimento exige a independência do Governo de Yaoundé, que acusa de representar apenas a maioria francófona do país.
Em vez disso, o Governo do Presidente Paul Biya declarou o 1 de outubro Dia da Unificação dos Camarões. Trata-se do "cúmulo da hipocrisia política", diz Agbor Nkongho, que qualifica a decisão de implementar um feriado nacional nesta data de "verdadeira emboscada”.
Quem sofre são os civis
Os camaroneses diretamente afetados pelo conflito não estão interessados em discutir datas e a história. "O Governo e os separatistas estão a brincar com as vidas da população que dizem proteger", disse à DW o taxista anglófono Nfor Nkfu. "Os dois lados estão a proteger apenas os seus interesses. Não estão a proteger ninguém".
Também o professor de história Nelson Tum, diz que, tal como muitos outros, o conflito entre os separatistas e o Governo o deixou desconfiado dos dois lados.
"Dizer que me sinto protegido pelas partes no conflito seria absurdo, porque a dado momento qualquer um dos dois lados pode fazer-nos mal", disse Tum.
Paul Nilong, do autoproclamado Governo Interino de Ambazónia, que não tem reconhecimento internacional, afirma que Yaoundé procura tornar "a Ambazónia ingovernável: trata-se de destruir tudo". "O mais grave é a sabotagem económica", acrescenta o político.
Nem sempre reinou o consenso entre os separatistas sobre a estratégia a seguir, especialmente no que diz respeito aos repetidos encerramentos da vida pública, que Ndong reconhece terem prejudicado a causa. "Pensamos que pode ser contraproducente declarar um confinamento de duas semanas do território, que representa dificuldades adicionais para o nosso povo, que já é quem sofre as principais consequências desta guerra", disse.
Mas, para Nilong, a medida era necessária para enviar uma mensagem clara ao Governo central: "A intenção era mostrar a Yaoundé que não controla nada".
Indivíduos de 'má-fé'
Elvis Ngolle Ngolle, membro do partido governamental Movimento Popular Democrático dos Camarões (CPDM) e ex-ministro das Florestas e Fauna, disse à DW que os responsáveis não têm poupado esforços para solucionar a crise.
"O Governo tem boas intenções e faz muito para pôr fim ao conflito armado", realçou.
Nelson Tum concorda que o Governo tentou restaurar a calma nas regiões anglófonas. Mas diz que os esforços foram insuficientes. "Realizou-se um grande diálogo nacional, mas aqueles que consideramos os líderes das regiões anglófonas não foram incluídos no diálogo com o Governo".
Para Ngolle Ngolle, a falta de progresso por parte do Governo deve-se à "má-fé" de alguns indivíduos que procuram "lucrar com o conflito".
"Aparentemente, há dinheiro a ser distribuído dos dois lados, e parece que há quem beneficie bastante", disse.
Apelo à comunidade internacional
A estratégia dos separatistas almeja chamar a atenção da comunidade internacional para o conflito. "Procuramos desestabilizar o Golfo da Guiné e assegurar que a exploração dos recursos nesta área seja interrompida, até que a comunidade internacional perceba que só ela pode garantir a paz e a estabilidade", disse Emmanuel Ndong, do autoproclamado Conselho de Governo de Ambazónia, à DW.
O especialista em direitos humanos Agbor Nkongho acredita que a solução final exigirá que a comunidade internacional imponha proibições de viagem e congele os bens das partes que estão a alimentar o conflito. Mas, qualquer progresso tem de começar pela honestidade, diz.
Segundo o ativista, "os amigos dos Camarões na comunidade internacional devem ser honestos com Biya e dizer-lhe que não pode ganhar esta guerra".
Mas ninguém pode ser permitido a agir com impunidade, exige. "Os atores não estatais também devem compreender que, se incitarem à violência ou cometerem crimes, serão responsabilizados", disse Nkongho.