Chido: “Estamos a braços com uma crise humanitária”
19 de dezembro de 2024Pelo menos 70 pessoas morreram e outras 600 ficaram feridas em Cabo Delgado, Nampula e Niassa, na passagem do ciclone tropical "Chido”, de acordo com dados atualizados do Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD). Os dados preliminares indicam que o Centro Nacional Operativo de Emergência (CNOE) registou pelo menos 50 mortos só no distrito de Mecufi, na província de Cabo Delgado, no norte do país.
Frederico João, presidente do Fórum das Organizações da Sociedade Civil em Cabo Delgado confirmou, em entrevista à DW, que a intensidade do "Chido” foi devastador e que as autoridades já estão no terreno para apurar os danos. O ativista considera imperiosa a ajuda internacional, porque os recursos do Estado moçambicano para assistência às populações são insuficientes para fazer face às consequências da tempestade que uma vez mais assolou o país.
Frederico João também apela os moçambicanos na diáspora a promoverem uma campanha de solidariedade com as vítimas do ciclone.
DW África: Face à situação em Moçambique, sobretudo na região de Cabo Delgado, sabe que espécie de ajuda está a ser prestada às populações afetadas pelo ciclone Chido? O que é que está a ser feito em concreto no terreno?
Frederico João (FJ): Numa primeira fase, está-se a fazer o levantamento das necessidades. Digamos, são necessidades básicas, como abrigo, alimento e provisão de água, principalmente para as famílias afetadas. E como [o ciclone] foi muito intenso, muitas famílias ficaram sem a sua habitação e, consequentemente, também perda de alimentos para sua sobrevivência. Além do levantamento que se está a fazer, também [é preciso] prover alimentos, tendas para o abrigo das famílias, principalmente aquelas que foram afetadas severamente.
DW África: O Governo enviou equipas para as províncias de Cabo Delgado e Nampula, para dar assistência às populações. É isso que está a acontecer no terreno, algo está a ser feito?
FJ: A informação que tenho e que tenho deparado é que as equipas do Governo estão no terreno, principalmente do Instituto Nacional de Gestão de Desastres, (INGD), incluindo equipas da Cruz Vermelha e outros atores das organizações internacionais que já estavam no terreno já faz tempo, como o Comité Internacional da Cruz Vermelha e mesmo da Federação Internacional da Cruz Vermelha. Estão no terreno, juntamente com o Governo, a fazer esta avaliação e a dar apoio primário às vítimas. É o que está a acontecer enquanto se avalia as reais necessidades para se fazer a mobilização de recursos necessários para proteger as famílias, principalmente as mulheres e as crianças mais desfavorecidas.
DW África: Mas os estragos são de grande dimensão?
FJ: Sim, de grande dimensão. O "Chido” veio a 200 quilómetros hora; a maior parte da população tem casas precárias, de construção de material local. Essas praticamente ficaram sem teto, desapareceram as casas, digamos palhotas, neste caso. Mas também há infraestruturas públicas e privadas que também foram devastadas. A intensidade desse ciclone foi devastadora.
DW África: O Bispo de Pemba, Dom Juliasse Sandramo, disse à DW que não existem muitas condições para assistência às populações? Neste caso, a solidariedade internacional será necessária? Justifica-se algum pedido nesse sentido?
FJ: Bastante. Quer dizer, tem que se mobilizar a comunidade internacional para ver se realmente apoia. Porque, foram três distritos afetados, para além da cidade de Pemba. Nós sabemos que o nosso Governo não tem muitos recursos, como é do conhecimento de todos, mas há uma necessidade enorme do apoio internacional, à semelhança aquilo que aconteceu com o [ciclone] "Kennedy” nos anos anteriores, e mesmo com o terrorismo. Estamos mesmo a braços com uma crise humanitária relacionada com esse ciclone. Então, a mobilização de recursos a nível internacional é mesmo preciso.
E eu apelo aos moçambicanos na diáspora também que façam sua campanha para que angariem recursos, fundos, tendas para as populações dos distritos afetados pelo "Chido”, ao nível de Cabo Degado.
DW África: Para estes casos existe o Fundo de Gestão de Desastres; na sua opinião que há recursos suficientes para atender ou acudir as situações mais críticas?
FJ: É bastante insuficiente pela dimensão do "Chido”, pelas consequências que traz. Porque daqui em diante não sabemos o que nos reserva. São doenças que afetarão as pessoas, especialmente a malária. As pessoas estão ao relento. Elas não têm nem tendas para se abrigarem. Isto é extremamente perigoso. Portanto, penso mesmo que é necessário haver essa mobilização para termos recursos suficientes.
DW África: Perante o nível de destruição e os seus efeitos na vida da população de Cabo Delgado, o que é que se deve fazer para salvar a atividade agrícola no próximo ano? Deve-se precaver ajudas aos agricultores e suas famílias?
FJ: Claramente, em todas as dimensões. Praticamente todo o tecido social, digamos assim. Porque há muitas famílias completamente afetadas que, praticamente, dependem da agricultura ou da pesca como sua atividade principal. E teremos essa consequência no futuro no que toca à insegurança alimentar. Porque a agricultura também foi afetada severamente.
A campanha agrícola foi lançada recentemente e acreditamos que os camponeses, as suas famílias, irão precisar de utensílios para pôr em prática a sua atividade, que lhes rendem o dia-a-dia, através da agricultura.
DW África: E qual será o contributo do vosso Fórum face a esta realidade?
FJ: Nós vamos trabalhando com os parceiros internacionais que estão a operar em Moçambique no campo do apoio humanitário, principalmente. Vamos nos inteirando da situação e vamos fazendo as campanhas necessárias para a mobilização de recursos. E isso dá legitimidade quando a voz dos próprios moçambicanos aparece a apelar à celeridade, à seriedade e maior mobilização de recursos para fazer face a essa situação humanitária que é extremamente dolorosa.