Grupo "Anguéné" reaparece em defesa da língua angolar
9 de dezembro de 2024O grupo tradicional são-tomense "Anguéné", criado em 1989, assinala 35 anos de existência e reapareceu, na passada sexta-feira (06.12), com um concerto intimista realizado no espaço Braço de Prata em Lisboa (Portugal). O Presidente são-tomense Carlos Vila Nova surpreendeu o auditório com a sua presença.
O objetivo do projeto "Anguéné ainda se mantém, o de proteger e divulgar a música e cultura do povo angolar, com origem na região bantu do Norte de Angola, segundo reza a história.
O grupo nasceu em São João dos Angolares, a sul da ilha de São Tomé, pertença da comunidade angolar que, até hoje, se dedica essencialmente à pesca. De acordo com a lenda destas ilhas do Equador, no Golfo da Guiné, os seus ascendentes terão alcançado a costa antes da presença colonial portuguesa, depois do suposto naufrágio de um navio negreiro que transportava escravos para as Américas.
Os dois principais fundadores do grupo "Anguéné" – João Carlos, "Nezó" de nome artístico, e Leopoldino Segunda, mais conhecido por "Ninho Anguéné" – reencontraram-se recentemente em Lisboa. E 35 anos depois da sua criação, juntaram-se, com alguns convidados, para o seu primeiro concerto em Portugal, na sexta-feira, para recordar temas tradicionais emblemáticos.
As tradições e emoções do povo angolar
"Nezó" (guitarra e voz) disse à DW que o grupo apareceu essencialmente com a intenção de juntar jovens que, no fundo, partilhavam a mesma ideia. "A nossa intenção era criar um grupo que, através da música, elevasse as tradições, a forma de estar e as emoções do povo angolar, que não tinham qualquer representatividade na cena artístico-musical são-tomense."
No início, "Anguéné" era composto por "Nezó", na guitarra acústica, Zé Luís na guitarra elétrica e primeira voz, enquanto "Ninho" e Odé executavam segundas vozes, tendo como pedra basilar canções populares em língua local que retratavam a vida quotidiana dos angolares.
Pouco depois da proclamação da independência nacional, em 1975, aconteceu em São Tomé o primeiro "Festival da Canção", tendo saído vencedora uma voz da comunidade, que cantou precisamente na língua angolar, lembra "Nezó".
"Isso estimulou-nos a prosseguir, porque essa língua era muito marginalizada. Havia pessoas que tinham receio de falar e utilizar a nossa língua como forma de comunicação", revela. "Então, é uma forma de valorizar e de preservar a nossa língua e através dela as nossas tradições", enfatiza o músico.
"Ninho Anguéné", agora a voz principal, conserva o timbre. Sempre se pautou por cantar na língua angolar ou "n´golá", marcante numa das regiões mais desfavorecidas da ilha de São Tomé.
"Até hoje, nem todos os membros do Governo falam a língua angolar", regista em tom de crítica. "Fomos desprezados, mas agora continuamos com 'Anguéné' sem stress", adiantou, assumindo que o grupo vai continuar a cantar em angolar. "Vamos preservar a nossa língua", disse.
Grande interesse do público
Magdalena Bialoborska Chambel, investigadora portuguesa de origem polaca, aprofundou estudos académicos sobre a música popular são-tomense, recordando que se desprezou muito a história e a diversidade musical de São Tomé e Príncipe. "É um universo riquíssimo que, a partir dos finais dos anos 80, começa a desaparecer", reconhece.
A investigadora entregou-se, de corpo e alma, à produção do concerto do grupo, por intermédio da organização Manga-Manga. "O nosso objetivo era regravar os temas antigos. Durante dos ensaios e, depois da publicação de pequenos extratos [nas redes sociais], percebemos que há interesse do público em ouvir 'Anguéné' ao vivo", revela.
A produtora cultural, autora do livro "Dêxa, Puita, Sócó(m)pé - Música em São Tomé e Príncipe: do colonialismo à independência", deseja que, com o concerto de sexta-feira passada em Lisboa, o grupo possa alcançar o seu objetivo de circular pelo mundo. "Não só em Portugal", precisa, porque "o futuro está aí".
É esta a ambição de "Nezó", que quer ver o projeto crescer e arrastar a geração jovem.
No concerto realizado na sexta-feira, no Braço de Prata, em Lisboa, o grupo contou com a participação de convidados como Flesco (segunda voz), Pedro Quaresma (coro, percussão) e Mick Trovoada (percussão), além de Ricardo Costa, do extinto duo RJ, com quem cantaram um dos temas antigos do agrupamento.