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Estará Guebuza a preparar terreno para voltar à Presidência?

21 de outubro de 2020

Não, entendem analistas. Para um, as suas contundentes críticas ao seu sucessor é só manifestação de descontentamento. Para outro, é apenas reação à uma pretensa "traição" de um pacto no âmbito das dívidas ocultas.

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Mosambik Amtseinführung von Filipe Nyusi
Filipe Nyusi (esq.), Presidente de Moçambique, e Armando Guebuza, ex-Presidente de MoçambiqueFoto: picture-alliance/dpa/M. De Almeida

No começo deste mês, o ex-estadista moçambicano Armando Guebuza implicitamente questionou a liderança do seu sucessor Filipe Nyusi ao por em causa o comando do exército em Cabo Delgado, onde os insurgentes têm evidenciado domínio.

Não foi o primeiro apontar de dedo ao Presidente moçambicano e ao seu Governo. Igualmente a frequência dos "ataques" aumenta, tal como sobe o seu tom, o que denuncia um mal-estar entre os dois.

Determinados setores de opinião acreditam que se trata de uma tentativa de Guebuza fragilizar Nyusi e assim abrir caminho para concorrer às presidenciais de 2024.

Mas esta é uma teoria que não ganha coro em todos os círculos de análise, como por exemplo para o académico e assumido "Guebuzista" Elísio Macamo.

"Não, eu não acho que haja uma razão para pensar que o antigo Presidente tenha ambições presidenciais. Penso que as críticas são uma manifestação de desapontamento e decepção em relação a forma como o seu próprio partido e o chefe de Estado tem estado a lidar com esta situação", acredita.

Dívidas ocultas no centro da discórdia?

Mosambik I
Barcos da EMATUM, empresa envolvida nas dívidas ocultasFoto: Roberto Paquete/DW

Antes disso, em setembro, o ex-Presidente criticou a Procuradoria-Geral da República (PGR), afirmando que não confiava no órgão, depois deste ter solicitado ao Conselho de Estado permissão para ouvi-lo no âmbito do escândalo das dívidas ocultas.

Em Moçambique há a forte percepção que a PGR é um órgão altamente politizado, dependente dos comandos presidenciais, tal como era durante o consulado de Guebuza.

Por isso, para o jornalista e proprietário do semanário Savana, Fernando Lima, a ação da PGR é o motivo dos ataques frontais de Guebuza a Nyusi.

"Não penso que as últimas declarações de descontentamento de Armando Gurebuza representem qualquer ambição presidencial, uma intenção de ser candidato ou de se tornar particularmente notado", acredita também Lima.

O jornalista tem outra desconfiança: "Penso que sobretudo correspondem a violação de um pacto no seio da FRELIMO e que em última análise significa que a questão das dívidas ocultas escondidas não seria jamais aberta ou levada aos tribunais".

Guebuza foi "moeda" de troca?

Fernando Lima Journalist in Mosambik
Fernando Lima, jornalista e diretor do semanário moçambicano SavanaFoto: Fernando Lima

Em suma, terá havido uma "traição" ao mais alto nível, numa espécie de "troca de cabeças", que pode fragilizar Armando Guebuza e salvar a "outra cabeça" do pior, o que explicaria os duros ataques do ex-estadista.

Contudo, é sobejamente sabido que o partido no poder não vive os seus melhores dias em termos de coesão. Acredita-se que há uma ala "mais madura" na FRELIMO descontente com Filipe Nyusi pela maneira como gere as crises do partido e do próprio país.

E o jornalista bate na mesma tecla: "Penso que o que se está a passar é que agora ele é visado individualmente no processo das dívidas ocultas, por uma investigação sobre dinheiros que eventualmente teriam entrado no partido FRELIMO fruto de uma oferta da Privinvest, empresa envolvida nas dívidas ocultas, e também pela menção do seu nome num tribunal de Londres que a PGR diz que não tem nada a ver com o assunto, que foi uma iniciativa do Credit Suisse. Penso que esta é a causa próxima das reações de Guebuza".

Para Fernando Lima, "claro está que o antigo Presidente goza de muitos apoios no partido FRELIMO  e este setor está muito inconformado com o rumo que as dívidas escondidas estão a tomar com o envio a tribunal de pessoas conotadas com a governação Guebuza".

Contudo, no país, setores "propagandistas" que se assumem próximos ao Presidente Nyusi tentam "tapar o sol com a peneira" minimizando as tensões entre as partes, num esforço inglório de passar a imagem de bem-estar na FRELIMO.

Guebuza, a voz dos descontentes?

Elisio Macamo Analyst an der Universität Basel
Elísio Macamo, académico moçambicanoFoto: DW/J. Beck

Estará Guebuza destemidamente "a dar a cara" a esse grupo de descontentes na FRELIMO?

"Eu não saberia dizer se existem alas na FRELIMO e se os pronunciamentos do antigo Presidente são uma manifestação de uma ala que estaria contra o atual Presidente", responde Macamo. 

E o sociólogo contextualiza: "Na verdade, duvido muito dessa hipótese de existência de alas. Para já, a FRELIMO não tem essa tradição de alas. Historicamente sabemos que só há vencidos e vencedores, já foi assim durante a luta armada de libertação nacional com a chamada linha revolucionária e a linha reacionária".

"Portanto, a FRELIMO não tem uma cultura política que aprecia muito a diferença de opinião. É um partido que se orienta muito pela unanimidade, o que muitas vezes pode levar a esclerose intelectual do partido. E nesse sentido não há como falar de alas e dizer que Guebuza estaria a apoiar uma certa ala contra Nyusi", finaliza Macamo.

Estaria então Guebuza a rebelar-se contra o princípio partidário da unanimidade?

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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