Moçambique: Excesso de fiscalização pode ter efeito preverso
20 de julho de 2021Muitos munícipes de Pemba, na província de Cabo Delgado, viram os seus compromissos cancelados ou atrasados na segunda-feira (19.07), devido à paralisação do transporte urbano de passageiros - os chamados "chapa 100".
"Há problemas com os 'chapa' desde manhã. Não sabemos, por que [motivo] não estão a transportar pessoas. No período de manhã [os transportes] terminavam na Cerâmica, mas até agora não sabemos qual é o programa", disse à DW África uma jovem que não conseguiu transporte para a escola.
A paralisação das atividades de transporte público de passageiros aconteceu em protesto contra a atuação das autoridades. Segundo os motoristas, a classe está a ser alvo de uma perseguição policial.
"Estamos cansados de sermos apanhados de surpresa por um motivo que nós não sabemos. Estamos a cumprir com a lotação [dos transportes públicos], não estamos a pôr um número elevado", diz o transportador Norberto Hilário que se queixa das constantes multas.
Augusto Cabral, outro condutor, fala em perseguição. "[Os agentes da polícia de] trânsito estão a perseguir-nos. Temos documentos legais, a situação de máscara, não há nenhuma pessoa que não a usa [nos chapas], porque as que não têm descarregamos", garante.
Polícia nas ruas
Na segunda-feira, a polícia viu-se forçada a mobilizar os seus agentes para debelar a onda de manifestações dos transportadores. O porta-voz do Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), Ernesto Madungue, considera não haver motivos para a manifestação, uma vez que as fiscalizações visam apenas controlar o cumprimento das medidas de biossegurança contra a Covid-19.
"Grande parte desses transportadores de passageiros não apresenta licença de transporte", refere o responsável que deu conta ainda da detenção de um condutor que tentou corromper um agente da autoridade e que não possuía licença de passageiros.
"Ao nível da província, estamos a apertar o cerco no sentido de controlar as medidas emanadas para a prevenção da propagação da Covid-19, razão pela qual temos diversas brigadas a fiscalizar aquilo que são as medidas. Refiro-me ao número de passageiros, a questão do uso das máscaras e todas as medidas estabelecidas", indica Ernesto Madungue.
A quantidade de protestos tem aumentado nos últimos tempos na província de Cabo Delgado. No mês de maio, operadores de serviço taxi-mota espancaram agentes da polícia municipal em Pemba também sob alegações de má atuação daquela entidade. Em Montepuez, outro grupo de mototaxistas perseguiu, em junho, um agente da autoridade e vandalizou a sua residência.
Sentimento de perseguição pode ter efeito preverso
João Feijó, pesquisador do Observatório do Meio Rural (OMR), vê com bastante preocupação os recentes acontecimentos, sobretudo tendo em conta o cenário de insegurança que se vive na província nortenha de Cabo Delgado.
"A população está a sentir-se bastante perseguida pelo Estado. Aqui há um sentimento que é preciso pensar com muita sensibilidade, porque o relacionamento destes indivíduos com o Estado é um relacionamento perigoso", adverte João Feijó.
"Não só sentem que o Estado não os apoia, não os deixa fazer a sua atividade económica, como ainda os persegue e os prejudica, extorquindo dinheiro. Esses motoristas de chapa e taxi-mota veem-se obrigados a pagar valores monetários aos polícias que muitas vezes correspondem às suas receitas diárias", explica o investigador.
"Isto é um problema muito grave, porque num momento em que um grupo terrorista e rebelde demonstra grande capacidade de recrutamento dos jovens, o Estado tem que rever este problema institucional dentro da corporação policial", considera João Feijó.
"O agente do Estado, o polícia, se não convencer o cidadão que está ali para o servir, mas pelo contrário [passar a ideia de que] está ali para prejudicá-lo, está a empurrar esses jovens para aderirem a grupos violentos", alerta o investigador.