Mutilação Genital Feminina - parte 3: Guiné-Bissau diz não
29 de setembro de 2011A luta contra a mutilação genital feminina na Guiné-Bissau tem sido feita de avanços e retrocessos. O primeiro projeto de lei contra esta prática, rejeitado pelos parlamentares guineenses, data de 1995. A guerra civil de 1998-1999, seguida de instabilidade política, de um golpe de Estado e de um novo período de instabilidade não ajudou.
Foram precisos dezasseis anos e um intenso debate público para que a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau aprovasse, em Junho de 2011, uma lei que proíbe esta prática. "Penso que foi um passo importante”, sublinhou o primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior. "Nós temos de enfrentar os desafios da modernidade".
Todavia o otimismo do político é mitigado pela realidade. As tradições são formadas ao longo de muitas gerações e é preciso um trabalho gradual e muita paciência para acabar com práticas milenares como a mutilação genital feminina.
Um longo caminho pela frente
"Ainda há muito por fazer na Guiné-Bissau", afirma Fatumata Baldé, Presidente da Comissão Nacional para o Abandono de Práticas Nefastas.
"Não podemos pensar que adoção de uma lei, automaticamente irá pôr fim a essa prática. Não, pelo contrário: a partir de agora temos de arregaçar as mangas e irmos ao terreno para começarmos novamente com as secções de informação e sensibilização das nossas comunidades".
Na Guiné-Bissau, segundo a UNICEF há entre 300 a 500 mil meninas e mulheres que foram vítimas de clitoridectomia, excisão total ou parcial do clítoris, e nalguns casos de infibulação, que consiste em fechar a abertura vaginal.
Quem pratica a mutilação genital feminina na Guiné-Bissau
As comunidades onde se efectua a mutilação vivem no Leste da Guiné-Bissau, nas regiões de Bafatá e Gabú, no Norte, em Oio e Cacheu, e no Sul, em Quinara, Tombali e Bolama-Bijagós.
A mutilação é praticada nos grupos étnicos dos Fulas, Mandigas, Nalus, Susus e Beafadas, que são grupos islamizados. Mas também meninas de grupos étnicos animistas, como os Balantas e os Papéis, participam nos fanados.
O fanado é um ritual de iniciação extremamente valorizado pelas comunidades islamizadas guineenses, isto apesar da excisão não ser um preceito corânico. O ritual do fanado pode durar até seis semanas e culmina com a excisão das meninas.
O diálogo com as fanatecas é uma vertente privilegiada para mudar mentalidades e acabar com a mutilação. Fanta Baldé é uma fanateca que diz ter abandonado o corte. Ela descreve a mutilação das meninas, dos cinco aos quinze anos, em poucas palavras: "Tapa-se o rosto, abrem-se as pernas e corta-se o clítoris. Usa-se a mesma faca para toda a gente".
Os riscos para a saúde das meninas
Fanta Baldé diz conhecer os riscos da mutilação para a saúde das meninas e no momento do parto, assim como o perigo de transmissão do vírus da SIDA. Contudo, interroga-se se quanto ao seu ganha-pão: "Sim, sabemos que há riscos, mas se pararmos onde vamos buscar o dinheiro?"
É contudo possível manter a tradição, envolvendo as fanatecas e abandonar o corte. Entre 2001 e 2003 uma ONG guineense, a Sinin Mira Nassiquê, que significa olhar o futuro, na língua mandinga, com o financiamento da ONG alemã Weltfriendensdienst , levou a cabo em todo o país cinco fanados "Ki Kudjidu". Fanados alternativos que mantém o que o ritual tem de positivo, eliminando as práticas nefastas que lhe estão associadas.
"A única diferença é que no fanado alternativo não se usa a faca, não se faz excisão. Mas nós aproveitamos toda a cultura boa e trabalhamos com as meninas que estão no fanado alternativo. Fazemos tudo menos a excisão". Este fanado alternativo, de que fala Maria Domingas Gomes, presidente da Sinin Mira Nassiquê, foi suspenso por falta de financiamento. Custava anualmente cerca de 20 mil euros.
Nova campanha no terreno
Em 2010 reiniciou-se na Guiné-Bissau uma nova campanha de luta contra a mutilação, que envolve cinco ONGs guineenses. O projeto denominado DJINOPI, que significa, “vamos para a frente”, é financiado pela Weltfriendensdienst e envolve toda a comunidade.
O DJINOPI prevê apoios às fanatecas para que encontrem alternativas profissionais que lhes garantam um rendimento e a manutenção do prestígio social. Algumas delas são agora animadoras e trabalham nas comunidades para acabar com a excisão. Mantém as suas insígnias e o seu papel de guardiãs da tradição, mas abandonaram a faca.
"Estamos a fazer o recenseamento de fanatecas: outrora tínhamos aquelas que entregaram as facas eram 80 a nível nacional. Mas como surgem todos os dias as fanatecas novas não temos uma ideia", diz Maria Domingas Gomes.
A abordagem passa também pela educação, apoiando o ensino das crianças, principalmente nas zonas rurais, onde a taxa de analfabetismo chega a 90 por cento. "Alfabetizando as pessoas, porque aquelas, que já tem escolaridade, sabem qual é a consequência da excisão e já não deixam as suas filhas", explica Maria Domingas Gomes.
Sim à tradição e não à mutilação
Com a aprovação da lei que criminaliza a mutilação genital feminina deu-se um passo importante passo em frente.
Mas o combate ainda não está ganho na Guiné-Bissau. É preciso continuar a trabalhar para que se diga sim à tradição e não à mutilação.