Prisão na Guiné Bissau transforma-se em espaço para defesa dos direitos humanos
2 de abril de 2012
Pintada de azul céu, a casa de traça colonial portuguesa dá cor a Bissau velho. Ela abrigou uma das prisões mais antigas da Guiné-Bissau, onde muitas pessoas foram mortas e torturadas durante a época colonial portuguesa. Depois da independência, prosseguiram as prisões arbitrárias, a tortura e execuções sumárias. Nos últimos anos, passaram por aqui os traficantes que deram à Guiné a fama de "narcoestado" em África.
"Esta foi uma prisão de alta segurança onde houve muita tortura, muito massacre de pessoas que procuravam reivindicar a liberdade do povo guineense na altura", explica o investigador guineense Nelson Constantino Lopes.
Segundo ele, esperava-se que a prisão fosse fechada para encerrar um capítulo na história do país. "Mas isso infelizmente não aconteceu, nem na primeira década da independência, nem na segunda, nem com a abertura multipartidária, em 1991. Infelizmente, há até dois anos tivemos pessoas que sofreram tortura aqui nesta casa", diz Lopes.
Novo capítulo
Agora, finalmente, o país virou a página do passado negro. A 1.ª Esquadra de Bissau passou a se chamar Casa dos Direitos, da Paz e do Desenvolvimento. Inaugurada a 28 de Fevereiro, ela é hoje, sobretudo, um lugar de diálogo, de conhecimento e de defesa das liberdades.
Se antes passar os portões da esquadra era entrar num território sem lei, agora as paredes, caiadas de branco imaculado no interior, convidam a passear o olhar sobre a exposição colectiva de 22 fotógrafos dedicada ao tema "mulheres guineenses". São retratos de mulheres na bolanha, os terrenos alagadiços onde se cultiva arroz. São mulheres alegres, mulheres tristes.
Nelson Constantino Lopes, que é hoje o coordenador da Casa dos Direitos, da Paz e do Desenvolvimento, explica que as mulheres retratadas resolveram dar a cara para mostrar que realmente pretendem mudar alguma coisa.
"São mulheres que estão no processo de alfabetização, para aprender a escrever pela primeira vez, mulheres que foram fanatecas e que hoje decidiram deixar de lado o que faziam, entregaram as facas que elas usavam", explica Lopes.
A ideia de transformar a prisão num espaço de liberdade partiu de uma ONG portuguesa, a ACEP, e da Liga Guineense do Direitos Humanos. Ao projeto juntaram-se outras oito ONG e associações da Guiné-Bissau e Portugal, além da Cooperação Portuguesa, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Universidade de Aveiro e do Governo da Guiné Bissau, que cedeu o espaço.
Primeira livraria
Nas antigas celas, de paredes grossas e com riscos estreitos no cimento a fingir janelas, onde antes entrava a maré e os esgotos, há agora uma biblioteca, um centro de documentação, um cinema. Na antiga cela solitária abriu-se uma livraria, a primeira do país.
"Nós procuramos não descuidar desse aspecto porque pensamos ser importante que as pessoas tenham um espaço onde possam comprar livros. Nós temos aqui não só livros ligados à Guiné Bissau, mas também livros sobre África, sobre a Europa, diferentes partes do mundo, mas que falam sobre os direitos humanos em geral", diz Lopes.
Já em Abril, a renovada prisão vai acolher visitas de estudo de escolas guineenses. Para preservar a memória e acender a esperança.
Autora: Helena Ferro de Gouveia, enviada a Bissau
Edição. Francis França/António Rocha