Protestos em Moçambique: Porquê tantas mortes em Nampula?
8 de dezembro de 2024Os últimos protestos em Moçambique contra os resultados eleitorais têm sido particularmente violentos na província nortenha de Nampula. Só nos primeiros dois dias desta nova fase de manifestações, oito pessoas morreram em Nampula, segundo dados da Plataforma Eleitoral Decide.
"Nós queremos saber qual é o motivo de nos estarem a balear. Vandalizámos alguma coisa? Este incêndio, quem é o promotor é a Unidade de Intervenção Rápida, que veio nos balear. Já balearam dois colegas nossos", denuncia um cidadão residente em Nampula, que viu os seus compatriotas mortos pelas forças de segurança em protesto contra os resultados eleitorais.
A violência aumenta nos protestos convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane. Sedes da FRELIMO foram incendiadas um pouco por todo o país, há relatos de vandalização de edifícios do Estado, apedrejamentos e até uma cadeia em Morrumbala terá sido invadida. Ao mesmo tempo, o número de mortos nos protestos aumenta.
A culpa "é da polícia"
Gamito dos Santos, coordenador provincial da Rede Moçambicana dos Defensores dos Direitos Humanos, em Nampula, diz que a culpa de um número tão elevado de mortes é da polícia.
"A polícia continua a ser o motivo da violação dos princípios básicos dos direitos humanos, continua a mover uma ação repressiva violenta contra os manifestantes. As manifestações, muitas vezes, têm acontecido de forma pacífica, mas de repente começámos a ver disparos da polícia sem necessidade nenhuma", lamenta.
E, de acordo com várias testemunhas, os disparos têm sido com balas reais. Desde o início dos protestos, em finais de outubro, a província de Nampula já registou mais de 50 mortos. Lidera as estatísticas a nível do país, de acordo com o levantamento feito pela Rede Moçambicana dos Defensores dos Direitos Humanos.
A polícia admite que tem usado balas reais contra os manifestantes. Mas, segundo o chefe de Relações-Públicas no Comando Provincial de Nampula, Dércio Samuel, essas balas seriam apenas usadas para dispersar os protestos. Não há ordens para atirar para matar, acrescenta Samuel.
"De facto, nós temos as nossas balas de borracha, que servem para dispersar os indivíduos, mas pode dar-se o caso de uma situação em flagrante delito em que aquelas balas já acabaram e acabamos usando as balas verdadeiras. Mas o nosso objetivo é sempre disparar para o ar, não o tiro certeiro aos indivíduos", esclarece.
"A principal saída é o diálogo"
Porquê um número tão elevado de mortes em Nampula? Será que aqui os protestos são mais intensos do que noutras regiões do país? Gamito dos Santos, da Rede Moçambicana dos Defensores dos Direitos Humanos, acredita que sim.
"A população de Nampula nunca foi pacífica. A questão militar começou a tratar-se na província de Nampula e, [após o combate à] potência militar portuguesa, a única Academia Militar [Marechal Samora Machel] no país foi construída aqui na província de Nampula. A questão da resistência da população é predominante na província de Nampula", diz Gamito dos Santos.
Aunício da Silva vê a situação por outro prisma. O jornalista e académico lembra que o povo estava "cansado" da FRELIMO e já tinha experimentado os benefícios de ter outro partido no poder.
"Todo o povo cansado [com o regime] é violento, e Nampula tem a particularidade de ter experimentado uma governação municipal de bastante sucesso, que foi a governação do malogrado Mahamudo Amurane [do MDM, assassinado em 2017]. Então, o povo de Nampula viu que é possível, quando bem governado, que a vida das comunidades melhore. No entanto, historicamente, o povo macua é muito pacífico", acrescenta.
O jornalista alerta para um cenário ainda pior em Moçambique – com mais confrontos e mais caos – se o Conselho Constitucional validar os resultados da Comissão Nacional de Eleições, que deu a vitória à FRELIMO. Por isso, propõe uma solução:
"A principal saída é o diálogo. É preciso que as partes envolvidas dialoguem com alguma sinceridade e honestidade. Obviamente que a população está cansada com o elevado custo humano, e é preciso que quem detém o poder veja onde está a falhar", conclui.