"Unhago": O ritual de iniciação dos Yao no Niassa
No Niassa, norte de Moçambique, o "unhago" repete-se todos os anos. Durante mais de um mês, rapazes vivem isolados no mato e raparigas fechadas numa casa para aprenderem sobre a vida adulta. No fim, faz-se a festa.
Isolados no mato
Durante 45 dias, rapazes entre os 5 e os 10 anos submetidos aos ritos de iniciação vivem numa cabana instalada para o efeito nas matas. A ideia é estarem longe de casa e da comunidade - no mínimo, a um quilómetro de distância. É proibido o contacto com mulheres. Se alguma entrar na área protegida, é castigada. Depois do período de isolamento, a cabana é incinerada, marcando o regresso à sociedade.
Lembrados em casa
Todas as famílias que têm crianças no "unhago" devem içar bandeiras em casa – indicando o número de crianças submetidas à prática. As bandeiras nos telhados e árvores junto às residências servem também para convidar pessoas a preparar produtos para a festa de recepção aos "iniciados". Durante o ritual, há uma bandeira também no acampamento – um símbolo de que as crianças estão bem de saúde.
Proibida a passagem a não circuncidados
O trilho que vai dar ao acampamento do ritual só pode ser percorrido por homens circuncidados. Quando uma criança é encontrada neste caminho, pode ser circuncidada à força. A entrega de refeições aos rapazes no "unhago" faz-se num ponto chamado "paragem obrigatória", onde os familiares usam um sino para chamar o acompanhante, uma espécie de padrinho que vive com as crianças durante este período.
Aprender a ser adulta
Enquanto os rapazes ficam isolados num acampamento na mata, as raparigas são fechadas dentro de uma casa durante 30 dias. Neste período, recebem orientações sobre a vida adulta, sobretudo instruções para cuidarem do futuro lar.
De visita à família com folhas de bananeira
A duas semanas da sua saída das matas, os rapazes são levados para visitarem os seus parentes. Os acompanhantes fazem roupas com folhas de bananeira para o momento da visita, para que as crianças não sejam reconhecidas. Os familiares são obrigados a pagar 50 meticais (cerca de 70 cêntimos de euro) para poderem ver a criança. Se não pagam, não têm direito a ver os filhos.
45 dias sem tomar banho
A saída das matas fica também marcada pelo primeiro banho das crianças, após 45 dias de isolamento sem se poderem lavar. Depois de uma noite de "cukuiwe" – cânticos de agradecimento pela saída do esconderijo – é altura de tomar banho e vestir as roupas novas compradas pelos familiares.
Recepção nas ruas
Depois do banho, as crianças fazem uma curta caminhada – ainda sem a família, só com os acompanhantes – e várias pessoas vêm entregar-lhes o pequeno-almoço. Só depois desta pequena marcha são recebidos pelos seus familiares com cânticos de alegria e de boas-vindas aos novos homens da sociedade.
Adeus à rainha e ao rei
Depois do banho e da marcha, as crianças voltam para casa dos responsáveis pelos ritos de iniciação – a "rainha" e o "rei" - onde os encarregados são obrigados a "levantarem" os seus filhos com uma taxa que vai dos 300 aos 500 meticais. Nos ritos dos rapazes, o rei tem o nome de Inkaliba. As meninas ficam em casa da rainha Anakaga.
Ofertas dos pés à cabeça
A chegada a casa é um momento de festa e inclui um ofertório. O acompanhante do rito de passagem também recebe agradecimentos. O dinheiro pousado no prato é para este responsável, como forma de pagamento pelos cuidados prestados no mato, no caso dos rapazes, ou na casa, no caso das raparigas. Já o valor depositado na cabeça e nos bolsos da criança fica para ela.
Marchas para celebrar
A aproximação do fim dos ritos de iniciação leva às ruas familiares e convidados em diversas marchas de celebração. Munidos de latas, galões velhos e outros objetos, marcham para marcar o fim do sofrimento das crianças. Dizem "imarile chenene" – em português, acabou bem.
Terminar em grande
No final do ato, têm lugar grandes manifestações. Familiares e convidados celebram, sujam-se e chegam a dormir na lama. As bebidas são o prato forte para marcar o fim das festividades dos ritos de iniciação. Por estes dias, o trânsito é caótico. Os manifestantes ocupam estradas e os condutores têm de aguardar até que as marchas passem para poderem prosseguir.