Alemanha celebra 200 anos da morte de Schiller
9 de maio de 2005Talvez conseqüência do uso de seu nome pelos nazistas, os teatros alemães ocidentais do pós-guerra trouxeram pouco de Schiller (1759–1805) aos palcos, principalmente quando se compara o número de encenações ao de dramas de Lessing, Kleist ou Büchner. "Medo das grandes sensações?", pergunta o diário Die Welt.
"O reconhecimento oficial continua forte, as homenagens biográficas e críticas neste ano de comemoração consomem muito papel. Mas pensa-se em Schiller como se pensa em Hölderlin ou em Kafka?", pergunta o semanário Die Zeit.
Dostoiévski e Freud
De difícil digestão, controverso ou mesmo discutível, Schiller continua simbolizando a tradição cultural alemã, tendo servido de inspiração para várias obras da literatura mundial. Em 1841, Dostoiévski já trabalhava numa versão de Maria Stuart, e Don Carlos pousava sobre sua mesa, quando o escritor russo escreveu uma das grandes obras da literatura mundial: Irmãos Karamazov. Mais tarde, Freud iria teorizar sobre a fome e o amor como duas vertentes fundadoras do sujeito a partir de versos de um poema escrito por Schiller.
Biografias em profusão
É possível que o número de biografias recentemente publicadas ou reeditadas seja apenas o sinal de um olhar voyeurista, que consome com mais prazer informações sobre a vida privada, no lugar de tentar digerir a imensa obra de um clássico? Ou será que estas biografias dão provas da dificuldade em decodificar Schiller no presente, em encontrar um tom contemporâneo e fluido que "traduza" a obra do autor?
"A longa era da idolatria já passou, o curto período avesso ao Clacissismo também. Caso não se entre na era da indiferença e do esquecimento, é necessário, pelo menos enquanto os textos de Schiller ainda são tidos como cânones, seduzir o leitor por novos caminhos até sua obra", alerta o diário Neue Zürcher Zeitung.
Se algumas das biografias tendem ao popular – desvendando para o leitor os "escândalos" da vida de Schiller, como seu projeto de manter um "casamento a três" com as irmãs Charlotte e Caroline von Lengefeld – outras fazem uso das incontáveis cartas deixadas pelo autor como forma de delinear o universo cultural da época. Também não falta no mercado editorial o relato biográfico construído a partir do viés psicanalítico, que aponta o tabu do incesto como responsável pela dissociação das figuras femininas em vários dramas escritos por Schiller.
O capítulo Goethe
Enquanto a vida do dramaturgo desperta a curiosidade do leitor, sua amizade com Johann Wolfgang von Goethe, iniciada em 1784, é outro capítulo relembrado incessantemente. Em carta escrita na época, Schiller já elogiava Goethe como "mestre da intuição e da sensibilidade", cujos olhos repousam "calmos e puros sobre as coisas". Em 1799, Schiller viria até mesmo a se mudar para Weimar, para ficar mais próximo de Goethe.
Em vida, o poeta e dramaturgo viria a consumar praticamente tudo o que almejava: tornou-se representante de uma geração, ídolo dos mais jovens, pensador de uma era e ainda, de quebra, autor de sucesso com peças que sacudiam o público de então.
Um outro Schiller, no entanto, ficaria fadado a continuar sendo "um homem do ceticismo e do sofrimento", cujo teatro afirma "que o mundo, tanto na política quanto na intimidade familiar, é um mundo de ilusões. Traição e perfídia, denúncia e assassinato, loucura e razão cínica", observa o diário Neue Zürcher Zeitung em texto intitulado "Idealismo da humanidade cética".
Ídolo de nazistas e comunistas
O que provavelmente Schiller não teria nem de longe vislumbrado é o uso de sua obra pelo nazismo. Em 1932, era publicado na Alemanha o volume Schiller como Companheiro de Hitler (Schiller als Kampfgenosse Hilters) – uma tentativa de fazer do dramaturgo um "garoto-propaganda" da ideologia nazista. Entre 1933 e 1945, houve no país mais de dez mil encenações de peças escritas por ele.
"O idealismo de Schiller possuía uma ressonância patriótica, da qual se apropriaram muitos nacionalistas do século 19 e também os nazistas no começo do século 20. A questão é se este uso emocional e exageradamente ideológico do Idealismo de Schiller estaria de acordo com as intenções do próprio dramaturgo. E isso pode ser terminantemente revidado", observa Rüdiger Safranski, biógrafo de Schiller, em entrevista ao jornal Die Welt.
É interessante notar que a obra de Schiller foi extremamente cultuada na antiga Alemanha Oriental. Em 1960, somavam três milhões os volumes escritos pelo dramaturgo nas livrarias do país. Quase todos seus dramas foram encenados para a TV. Apenas em 1955, foram quase mil as encenações de sua obra nos palcos do país. Nas escolas sob o regime comunista, Schiller era tido como pensador e clássico-mor, como encarnação não apenas de um gênio poético, mas também de um lutador pelo progresso no sentido marxista do termo.
"Weimar: subúrbio de Buchenwald"
Facilitar a recepção de Schiller, mesmo durante as comemorações dos 200 anos de sua morte (9 de maio de 1805), parece ser uma tarefa nada fácil. "O conceito do 'clássico' está profundamente enraizado na história da cultura ocidental. Com a decadência da Europa na barbárie do século 20, este conceito perdeu grande parte de sua confiabilidade. Perante o inumano, o Humanismo clássico mostrou-se impotente. Weimar tornou-se um subúrbio de Buchenwald", escreve no semanário Die Zeit Georg Steiner, crítico literário nascido em Paris, cuja família de judeus vienenses emigrou em 1940 para Nova York.
Uma constatação de que pensar e ler Schiller não é mais possível sem se ater à triste lição do século 20, que nas palavras de Safranski, biógrafo do dramaturgo, publicadas no Die Welt, podem ser resumidas da seguinte forma: "A cultura não é condição suficiente para a razão política. Pode-se ouvir religiosamente Beethoven e Bach, idolatrar Schiller e Goethe e ao mesmo tempo cometer os crimes mais atrozes contra os vizinhos ao lado".