Performance
16 de setembro de 2009Para um modesto vestido de bolinhas verde e branco, a cliente tem que passar 10 minutos falando sobre moral e castidade. Um colar vale o relato de cinco minutos sobre um pequeno segredo sujo. E para levar para casa três livros, o interessado deverá dizer alguma coisa que nunca contou antes a ninguém.
"É claro que estou curiosa", conta Alexandra Müller, de 26 anos, idealizadora e organizadora do que chama de "mercado íntimo de pulgas", em Berlim.
Cada conversa com um cliente é gravada por ela, para ser posteriormente editada e usada na construção da dramaturgia de uma peça radiofônica. Os momentos mais apreciados pela artista são aqueles nos quais os clientes de seu mercado se esquecem de que ela está ali e continuam simplesmente falando de si mesmos.
Dar e receber
"Não acho que algum dia na vida conseguirei ter relações que funcionam", diz uma garota que prefere ser chamada de Sonja e que está interessada em levar para casa um boné verde. Por esse produto, ela "paga" com seis minutos de narração sobre uma ruptura amorosa. "Na minha última relação, tudo se desmoronou e a gente brigava todo dia. Foi uma separação lenta e dolorosa", diz a jovem frente aos gravadores da artista Alexandra Müller.
Nils, de 24 anos, por sua vez, tentou contar algum segredo nunca revelado anteriormente, a fim de levar em troca três livros usados. "Quando eu tinha 17 anos, era realmente muito importante ter experiência com garotas. Eu dizia a meus amigos que já tinha dormido com uma, mas não tinha. Inventei a história sobre um encontro num acampamento. Aquilo foi realmente embaraçoso para mim", relata o jovem.
Müller conta que uma outra mulher descreveu sua vida nas ruas como dependente de drogas. "E tinha uma francesa que não parava de falar e que descreveu durante 20 minutos seu jardim interno, sem que eu ao menos pudesse fazer perguntas. Foi realmente estranho", diz a artista, sempre disposta a ouvir os clientes por um intervalo de 5 a 20 minutos, dependendo do produto à venda.
O contato, porém, não é unilateral. Alexandra Müller também se dispõe a falar. Ela não só coleta segredos alheios, mas – em troca de suas próprias histórias pessoais – também compra produtos para revender em seu mercado. A fim de angariar um par de sapatos, ela discorreu sobre onde pensa estar vivendo daqui a 30 anos.
"Para mim, a arte performática sempre foi um meio de expressão, mas não necessariamente tem que ser sutil e abstrata. Pode significar apenas falar com pessoas normais e envolvê-las", comenta a artista.
Repensando a proteção de dados
A peça radiofônica baseada nesse mercado de pulgas inusitado não é o primeiro trabalho de Müller. Em abril de 2007, ela criou uma performance chamada Não chore. Trabalhe! Durante uma semana, a artista executou toda a espécie de trabalho que lhe pediam – exceto prostituição – e se surpreendeu sobre como as pessoas falavam sobre suas vidas, enquanto ela trabalhava para elas. "Eu tinha a sensação de que as pessoas compravam meu tempo", conta.
Müller acredita que, na era da informação, as pessoas estão mais dispostas a dividir informações pessoais. "Quero fazer com que as pessoas reflitam sobre como fornecem dados para os outros. Quando elas me contam histórias sobre suas vidas sexuais ou coisa parecida, têm a sensação de que estão revelando dados sobre si mesmas. Talvez em suas vidas reais elas também pensem assim", reflete a artista.
Um show, dois palcos
As performances de Müller começaram em agosto, em uma galeria de arte do bairro Prenzlauer Berg, em Berlim. No início de setembro, ela transferiu o projeto para uma antiga sede dos correios no bairro de Neukölln, onde deverá permanecer até 27 de setembro.
Esse novo ambiente combina especialmente com a concepção da artista. Afinal, as pessoas usam o correio para enviar cartas lacradas, nas quais escrevem seus segredos a amigos, entre outras coisas. Agora elas se dirigem ao mesmo local para se encontrar com a artista e contar segredos; no entanto, sem "lacrar" os mesmos.
Segundo Müller, outro detalhe importante do projeto são as performances em duas regiões bem distintas de Berlim. "Prenzlauer Berg é mais a Manhattan da cidade, um bairro muito descolado, com muita gente jovem. Neukölln é mais o Bronx de Berlim, onde vivem muitos estrangeiros", descreve a artista.
Pois, quanto mais variadas as histórias íntimas contadas, mais interessante se tornará sua peça radiofônica, a ser veiculada pela emissora alemã de rádio SWR.
Autora: Sabrina Wendling (sv)
Revisão: Simone Lopes