Caça às estrelas mais antigas do universo
1 de julho de 2015Uma máxima na astronomia diz que para avançar é preciso retroceder. Significa que é preciso investigar o passado para evoluir nas pesquisas – e em termos astronômicos, tempo é espaço.
Aos 29 anos, o astrônomo português David Sobral mapeia zonas distantes no universo. Com um supertelescópio, ele captou a galáxia CR7 (acrônimo para Comos Redshift 7) e encontrou as lendárias estrelas da primeira geração, criadas apenas 100 milhões de anos após o Big Bang – que, segundo os cientistas, ocorreu há 13,7 bilhões de anos. Foram elas que deram origem aos elementos que possibilitaram o surgimento da vida.
Em entrevista à DW Brasil, ele fala sobre a descoberta e explica por que essas estrelas foram um mistério por tanto tempo.
DW Brasil: Seu estudo, aprovado para publicação no The Astrophysical Journal, causou sensação no mundo da física. Se essas estrelas são tão especiais, por que não se sabia da existência delas até agora?
David Sobral: Outras equipes não investiam nesse assunto porque se esperava que ou essas estrelas não existiam mais ou eram tão raras que seria uma perda de tempo [procurá-las]. Mas, ao mesmo tempo, nunca ninguém havia tentado.
O que é uma estrela de primeira geração e como ela se difere das outras estrelas?
Acredita-se que algumas estrelas de primeira geração tinham massa mil vezes maior que a do Sol e, portanto, eram até 10 milhões de vezes mais brilhantes. Na nossa galáxia existem algumas estrelas com muita massa, mas todas são de segunda e terceira geração. Para ser uma estrela de primeira geração, o material que as compõe têm que ser apenas hidrogênio e hélio – esses foram basicamente os elementos que resultaram do Big Bang. E isso é muito difícil de encontrar, porque, uma vez criadas, essas estrelas vivem pouco tempo. Elas explodem como supernovas e, nessa explosão, criam elementos mais pesados.
De que elementos estamos falando, exatamente?
Essas estrelas de primeira geração literalmente inventaram a química e a tabela periódica. Antes da existência delas, a tabela periódica só tinha hidrogênio, hélio e lítio. Como só havia três elementos, as reações químicas eram muito limitadas. Após a explosão e morte dessas estrelas, começou-se a encher a tabela periódica pela primeira vez.
Essas estrelas estão a uma distãncia de 13 bilhões de anos-luz da Terra. Como elas podem ter influenciado a vida no nosso planeta?
A questão é muito simples: se essas estrelas de primeira geração nunca tivessem estado no universo, seria impossível nós estarmos aqui. O sol nunca teria sido criado. Teria sido impossível criar planetas, que nascem por meio de elementos mais pesados. A importância das estrelas de primeira geração, portanto, é que elas criaram tudo aquilo que hoje estamos habituados a ver: o carbono, dos nossos corpos, o cálcio, o oxigênio que respiramos. Tudo isso foi criado pela primeira vez no núcleo dessas estrelas.
Mas há também uma questão importante: ao mesmo tempo em que essas estrelas são essenciais para criar os elementos da vida, enquanto elas brilham, é impossível haver vida em volta, porque o brilho é tão intenso que mataria qualquer coisa. A luz é tão forte que destrói todos os átomos à sua volta.
Como a sua equipe conseguiu encontrar essas estrelas?
A maioria das equipes internacionais utiliza o telescópio Hubble, que consegue ver muito profundamente, mas vê uma área muito pequena no céu. O que nós fizemos foi atualizar o telescópio Subaru, no Havaí, que tem oito metros de lente, e isso nos permitiu um campo de visão muito maior do que o do Hubble. Para se ter uma ideia, é um mapeamento no céu mais ou menos no tamanho de 40 luas cheias. Por exemplo: a imagem mais conhecida do Hubble, o Hubble Ultra Deep Field, exibida sempre como a imagem mais profunda do universo, tem um tamanho que é apenas uma fração de uma lua cheia.
Focar demais pode atrapalhar o trabalho, então?
O paralelo, na Terra, poderia ser o fato de estudarmos a população do planeta. Se olhássemos apenas para uma área muito pequena, poderíamos ter sorte ao apanhar uma cidade ou azar e enxergar uma zona onde não viva ninguém, e, assim, ter respostas completamente diferentes. Ampliando, descobrindo a América do Sul e do Norte inteiras, começaríamos a ter uma noção da diversidade, e a apanhar pessoas de diferentes classes, mais ricas, mais pobres, algo que é impossível fazer em uma pequena área.
* O nome da galáxia acabou se tornando também uma homenagem ao craque do futebol português Cristiano Ronaldo, de quem Sobral é fã.