Cortes européias julgam cada vez mais crimes internacionais
18 de julho de 2006Segundo um relatório recente publicado pela organização Human Rights Watch sob o título "Jurisdição Universal na Europa: O Estado da Arte", instâncias jurídicas de muitos países europeus estão cada vez mais dispostas a investigar e julgar pessoas acusadas dos chamados crimes graves internacionais.
Desta categoria fazem parte o delito de genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra. Nesses casos, cortes nacionais assumem o julgamento, mesmo quando as vítimas e os suspeitos são cidadãos estrangeiros e os casos aconteceram em outros países.
Como exemplo, o documento cita o caso da corte nacional belga, que em 2001 e novamente em 2005 condenou diversos cidadãos ruandeses por crimes contra a humanidade cometidos em Ruanda durante a guerra civil de 1994.
Criação do TPI deu início à tendência
Para Jürgen Schurr, um dos autores do relatório, a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia em 2002 iniciou a tendência a reconhecer a jurisdição universal. De acordo com ele, tais mudanças aconteceram porque os países europeus foram obrigados a incluir em seus respectivos códigos penais os crimes e ofensas reconhecidos pelo TPI.
Schurr lembra que, antes disso, a acusação máxima na Alemanha para suspeitos de genocídio era a de assassinato, o que subestimava a gravidade de muitos crimes. Tal situação só mudou com a introdução do Código de Crimes contra a Lei Internacional em 2002.
O relatório da HRW observa de perto a situação em oito países - Bélgica, Dinamarca, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Holanda, Noruega e Espanha.
Holanda é exemplo
A Holanda e a Grã-Bretanha receberam as melhores avaliações. Na Holanda, há cerca de 30 funcionários que tratam exclusivamente de casos de crimes internacionais. "Lá existe vontade política para dedicar recursos que permitam o julgamento destes crimes", explica Schurr.
Apesar de a Grã-Bretanha empregar apenas duas pessoas para investigar crimes internacionais, elas são parte integral do Departamento Antiterrorismo da Polícia Metropolitana de Londres, tendo acesso a todos os recursos do departamento e aos seus 300 funcionários.
Alemanha e França ficam para trás
Já a Alemanha e a França receberam más notas no relatório da HRW. Na França, ainda não é possível julgar suspeitos de crimes de guerra, uma vez que o delito não é reconhecido pela legislação francesa.
Além disso, os dois países dedicam apenas recursos escassos para investigar crimes de tal gravidade.
Para Schurr, o caso alemão é surpreendente. De 1993 a 2003, a Central de Combate a Crimes de Guerra, integrada no Departamento Federal de Investigações Criminais (BKA), investigou ativamente crimes de guerra cometidos na ex-Iugoslávia. Hoje há apenas uma pessoa responsável por crimes graves.
Falta de vontade política
Mas a legislação alemã oferece uma excelente base para o julgamento de crimes graves, segundo Schurr. O que falta, na sua opinião, é vontade política. "Ao promotor federal foi permitida uma maior latitude de julgamento", disse. Em outras palavras, a corte "pode, mas não precisa ser ativa".
Schurr apontou para a situação em 2005, quando o Tribunal Constitucional Federal rejeitou acusações de que o então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, fora o responsável pelo escândalo do abuso contra prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib.
Segundo o promotor federal Kay Nehm, as autoridades alemãs só poderiam investigar o caso se as norte-americanas se recusassem a fazê-lo.
Novo imperialismo?
Mas nem todo mundo acredita que o princípio da jurisdição universal seja progressista. Christian Tomuschat, professor emérito de direiros humanos na Universidade Humboldt de Berlim, concorda que alguns países tenham tido experiências bem-sucedidas. Mas, na verdade, o conceito é controverso, critica.
Tomuschat usou o exemplo da Bélgica, que, segundo ele, reivindicou o direito de julgar crimes internacionais no âmbito nacional. "Isso é presunçoso e poderia ser visto por outros países como um novo tipo de imperialismo", alerta.
Para ele, o julgamento de casos de genocídio ou de crimes contra a humanidade em nível nacional deveria ser usado apenas como "um último recurso".