Em 8 de janeiro do ano passado, 4 mil apoiadores radicalizados do ex-presidente Jair Bolsonaro, recém derrotado nas urnas, invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Eles deixaram um rastro de destruição no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo deles era promover o caos para instigar um golpe militar.
No entanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia assumido o cargo apenas uma semana antes, demonstrou habilidade política ao esmagar a revolta. Ele não declarou estado de emergência nem convocou os militares para ajudar – algo que os revoltosos esperavam, pois acreditavam ter o apoio de grande parte do Exército. "Por que eu, com oito dias de governo, iria dar para outras pessoas o poder de resolver uma crise que eu achava que tinha que resolver na política? E foi resolvida na política", disse, mais tarde, o presidente, justificando sua decisão.
Juntamente com o Supremo Tribunal Federal, líderes do Congresso e setores neutros das Forças Armadas, ele conseguiu fortalecer a democracia no Brasil. Para o cientista político americano Steven Levitsky, autor do livro Como as democracias morrem, a elite política brasileira reagiu de forma muito mais clara à tentativa de golpe do que a dos EUA quando o Capitólio foi invadido. O apoio imediato dos governos europeu e americano a Lula também enfraqueceu a revolta.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Levitsky vai além e explica como a democracia brasileira saiu fortalecida do ataque aos Três Poderes – em contraste com os EUA, onde a elite política ligada ao Partido Republicano até hoje não criticou claramente a violenta invasão do Capitólio.
Ao contrário dos EUA, muitos deputados e governadores do campo da direita no Brasil reconheceram imediatamente a vitória eleitoral de Lula – incluindo muitos apoiadores declarados de Bolsonaro ou antigos aliados dele, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Com isso Bolsonaro logo ficou isolado.
Bolsonaro mais enfraquecido que Trump
Sem um partido político e sem o direito de concorrer numa eleição, que lhe foi retirado pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro está hoje muito mais fraco do que o ex-presidente americano Donald Trump, seu modelo nos EUA, argumenta Levitsky. O processo de reconstrução democrática – que, assim como no Brasil, também se dá nos EUA, lá sob o comando do presidente Joe Biden – está, portanto, ocorrendo de forma muito mais abrangente no Brasil.
O Brasil está, portanto, indo na contramão da tendência global dos governos cada vez mais autoritários. É de se esperar que o Brasil suba significativamente nos rankings de democracias, depois de ter constantemente perdido posições nos últimos anos.
Essas são boas notícias. Infelizmente, porém, algumas reações ao ataque às sedes dos Três Poderes de um ano atrás mostram que ainda há um grande número de brasileiros que tolerariam ou até mesmo aceitariam um governo autoritário com participação ou liderança dos militares.
Muitos deputados, governadores e senadores não compareceram ao evento em memória dos acontecimentos de um ano atrás, realizado esta segunda-feira (08/01) em Brasília. Eles temem perder eleitores se aparecerem num evento ao lado de Lula.
Isso porque Lula continua sendo uma figura odiada por cerca de um terço da população. Pouco mudou desde a eleição em termos da estreita maioria que Lula então obteve. Bolsonaro também continua a ter grande influência política, apesar de suas inúmeras infrações e de seu comportamento insensato. Ele ainda consegue mobilizar apoiadores e, assim, fazer com que governadores de olho na sua sucessão política adotem uma postura populista mais radical e de extrema direita.
Mas nem mesmo Lula está realmente interessado em superar as divisões na sociedade brasileira. A constante ameaça da direita radical lhe garante uma base estável de apoiadores.
Conclusão: no primeiro ano de seu terceiro mandato, Lula criou a base para a redemocratização após o que foi provavelmente a mais grave crise política desde o retorno do Brasil à democracia.
Mas Lula não pode descansar sobre esses louros. Cada erro cometido por seu governo fortalece os inimigos da democracia.
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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.