Imigrantes na mira da violência após atentado em Magdeburg
24 de dezembro de 2024Ainda não estão claras as razões pelas quais o autor do ataque em Magdeburg – um médico saudita de 50 anos atualmente em prisão preventiva – atropelou uma multidão em um mercado de Natal, matando cinco pessoas e ferindo mais de 200.
Desde a tragédia, a cena de extrema direita na Alemanha tem usado o caso para incitar ódio contra imigrantes.
"Nunca senti uma atmosfera tão hostil e ameaçadora", desabafa um estudante de engenharia automotiva em Magdeburg em relato à "Salam", organização com sede no estado da Saxônia-Anhalt especializada em prevenção de violência.
Segundo a entidade, o número de incidentes envolvendo pessoas identificadas como estrangeiros por radicais de direita aumentou significativamente.
Ofensas, cusparadas e agressões físicas
"Supostos imigrantes são xingados na rua de 'terroristas', 'criminosos' e 'escória', empurrados, cuspidos", afirma a organização em relatório.
A ameaça é tamanha que estrangeiros têm alertado uns aos outros em grupos no WhatsApp e no Facebook, aconselhando evitar espaços públicos.
O paradoxo disso tudo é que o suspeito do ataque expressava nas redes sociais visões islamofóbicas e comuns à extrema direita, como notou o pesquisador de radicalismo Hans Goldenbaum, da organização Salam, em entrevista à rádio MDR: "Isso mostra a força desse discurso de extrema direita e como ele é alheio à realidade."
Mobilização nacional de extremistas
Após o atentado na última sexta-feira (20/12), grupos e indivíduos neonazistas e de extrema direita em toda a Alemanha passaram a mobilizar protestos, exigindo deportações em massa.
Uma manifestação em Magdeburg no domingo atraiu centenas de neonazistas, com ataques a jornalistas que cobriam o evento.
Um dos oradores da manifestação era Thorsten Heise, notório líder neonazista com antecedentes criminais, e que no passado já tentou atropelar um refugiado.
Registros da manifestação mostram Heise incentivando o público a se infiltrar em associações e clubes, no corpo de bombeiros e no serviço público.
Em resposta, jornalistas afirmam que os manifestantes gritaram "desperte, Alemanha!" (Deutschland erwache!), um slogan popular entre nazistas sob Adolf Hitler e cujo uso, hoje, é proibido por lei.
Campanha eleitoral em meio ao luto
Na segunda-feira após o ataque, a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido acusado de manter elos com a extrema direita, organizou uma grande manifestação em Magdeburg.
Milhares de pessoas atenderam ao chamado: uma mistura que incluiu lideranças partidárias, cidadãos comuns de diferentes idades e vários hooligans da região – facilmente identificáveis pelos rostos cobertos, tatuagens e roupas típicas da cena. O resto, em sua maioria, não pareceu se incomodar com a presença dos extremistas.
Candidata a chanceler federal da Alemanha e líder da AfD, Alice Weidel discursou no ato aos gritos de "deporte-os" da plateia.
Findo o evento, que transcorreu com relativa tranquilidade, jovens saíram em marcha pelas ruas da cidade, atacando fotógrafos, berrando palavras de ordem extremistas e buscando confusão com a polícia, que os observava. Em suas risadas e zombarias, não se notava nenhum sinal de luto.
Risco é de que ataque seja instrumentalizado, afirmam especialistas
O especialista em extremismo de direita David Begrich, que atua na entidade Miteinander e.V., prevê uma politização ainda maior do ataque.
Falando à DW, ele criticou eventos como o promovido pela AfD na segunda-feira, frisando que o foco agora deveria estar nas vítimas e nos sobreviventes.
"Vejo uma grande perplexidade e estado de choque em Magdeburg. Este ataque deixou uma ferida profunda na cidade. Isso nos atinge no nível pessoal – há colegas da minha mulher entre os feridos", afirma.
Para Begrich, enquanto pessoas ainda estiverem no hospital encarando as consequências do atentado, qualquer tentativa de instrumentalização é inadmissível. "As vítimas devem ser o centro das atenções agora. A análise do ocorrido virá depois. A cidade não quer saber de instrumentalização."
Apesar das notícias falsas, rumores e tentativas de manipulação do caso nas redes sociais, Begrich vê Magdeburg genuinamente abalada: "A cidade está se unindo."
Na segunda-feira, enquanto a AfD organizava seu próprio protesto, centenas de pessoas deram um abraço coletivo na praça que foi palco do atentado em Magdeburgo, em homenagem às vítimas.
A iniciativa, sob o nome "Não dê chance ao ódio", era também um contraponto aos extremistas que tentam faturar politicamente com a tragédia.
"Estas são luzes para uma cidade cosmopolita", disse Oliver Wiebe, um dos organizadores, referindo-se às velas nas mãos dos manifestantes.