Na Holanda, a vitória já é do populismo
14 de março de 2017Um vento gelado sopra sobre o "Binnenhof" de Haia, o complexo arquitetônico do século 13 que abriga o Parlamento. No quiosque diante do pátio interno, alguns funcionários do governo comem sanduíches de arenque; turistas holandeses e estrangeiros passeiam na calçada de pedras arredondadas e tiram fotos.
Nesta quarta-feira (15/03), será eleito o novo Parlamento da Holanda, e projeta-se que o populista de direita Partido para a Liberdade (PVV) receba 16% dos votos, em empate técnico com os liberais do VVD. A projeção é que cada legenda receba 24 das 150 cadeiras no Legislativo, o que forçaria a busca pela formação de uma coalizão.
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Inspirado pela vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit e o crescente movimento populista anti-imigração na Europa, o líder do PVV, Geert Wilders, já chegou a se referir a uma "primavera patriótica".
"É assustador", comenta Marleen Breuker, educadora de 62 anos, enquanto passeira com a família em Haia. "Espero que as pesquisas estejam erradas", diz a eleitora dos verdes.
Unidos na política e no penteado
Wilders, apelidado "Trump holandês", também devido ao penteado extravagante, nada deixa a dever a seu modelo americano quando se trata de campanha eleitoral e de disseminar no Twitter sua interpretação pessoal das notícias do dia.
"Ele talvez não tire uma vantagem direta disso", reconhece Sarah Lange, professora da Universidade de Amsterdã, "mas esse procedimento lhe rende muita atenção midiática. Wilders tem a possibilidade de repetidamente comunicar suas ideias aos eleitores." A tese de doutorado de De Lange foi justamente sobre os partidos populistas de direita da Europa Ocidental.
Chris Aalberts, da Universidade Erasmus de Rotterdam, é igualmente especialista em populismo de direita. A seu ver Geert Wilders não copia muito de outros políticos, pois o programa partidário do PVV tem uma página só e "é muito consequente: ele repete sempre a mesma coisa".
Ainda assim, Aalberts concorda que medidas políticas trumpistas como a controvertida proibição de ingresso para viajantes vindos de países fundamentalmente islâmicos são vento nos moinhos do extremista holandês. "Ele pode dizer: 'Olhem, tem outros que também estão fazendo assim.'"
Coligar ou não?
Em 2012 Aalberts publicou um livro sobre o eleitorado do PVV. De lá para cá, deixou de ser um grande tabu admitir que se vota nessa legenda, embora muitos membros da classe culta ocultem o fato, para não colocar em risco suas carreiras profissionais.
Raymon, de 27 anos, que prefere não revelar seu sobrenome, votou em Wilders no pleito de 2012. Depois do fim de semana em Haia com a namorada, ambos retornam à casa no leste do país, onde ele trabalha com pacientes com demência. Fora a promessa de investir mais no sistema de saúde, não há nada que lhe agrade no programa do PVV.
"Agora Wilders apoia Trump e quer que nós saiamos da UE. Esse não é mais o meu partido. Além disso, praticamente todos os outros descartaram uma coalizão de governo com ele. Então, de que adianta votar nele?"
O primeiro-ministro Mark Rutte, do Partido Liberal (VVD), tampouco considera se associar ao PVV, embora em 2010 este o tenha apoiado num governo minoritário. Chris Aalberts desaconselha, porém, que se confie nos anúncios de Rutte: "As promessas dele não valem de nada, claro. As circunstâncias podem sempre mudar." Mas na opinião do pesquisador o PVV não comporá o próximo gabinete, por ser "incapaz".
Loes Hammerstein, a namorada de Raymon, provavelmente votará no Partido Socialista (SP). "Na verdade, eu não me interesso por política", confessa a estudante de sociologia de 22 anos. Mas ela sabe que é contra Geert Wilders: "Não gosto do jeito como ele fala dos muçulmanos e dos refugiados."
"Na nossa cidade não há tantos deles, assim", interrompe Raymon, "mas quando se anda por Amsterdã, eu consigo entender que seja demais para algumas pessoas. Mas concordo que Wilders se tornou um pouco perigoso, extremo demais."
Influencia sobre moderados
Um estudo conjunto do jornal De Volkskrant e da Universidade de Amsterdã revelou que 20% dos eleitores que normalmente não optariam pelo VVD consideram votar nele "por razões estratégicas", a fim de impedir uma vitória do PVV.
Até hoje Marianne Maarschalkerweerd, de 70 anos, deu sempre seu voto aos democrata-cristãos. Agora ela tende para o 50Plus, legenda que pretende defender os interesses dos pensionistas. Ela duvida dos prognósticos para o pleito de 15 de março. "Dizem que agora a decisão é entre Wilders e Rutte, mas eu considero isso propaganda da mídia."
Maarschalkerweerd acha que o PVV vai obter muitos assentos no Parlamento, o que seria "compreensível", já que as demais legendas fizeram "promessas demais, que não cumpriram". "Não gosto de ficar falando dos refugiados, mas eu não quero que esses rapazes todos venham para cá, e acho que se deve haver uma abordagem mais rigorosa."
Segundo os pesquisadores De Lange e Aalberts, a maioria dos partidos moderados em termos de imigração, islã e UE assumiu alguns tópicos controversos do PVV. Recentemente, o premiê Rutte, por exemplo, publicou uma carta aberta nos grandes jornais, onde declara que quem não estiver disposto a se comportar de maneira "normal" e a aceitar a cultura holandesa, que deixe o país.
"Seria suicídio político não se aproximar tematicamente do PVV agora", diz Aalberts. De Lange resume: "Independente de quantos assentos Wilders conquiste ou se tomará parte no governo, a influência dele se fará sentir."