O partido que nasceu das cinzas do comunismo da RDA
29 de setembro de 2015O polonês Aleksander Kwasniewski, o romeno Ion Iliescu e o alemão Hans Modrow têm um ponto em comum: durante a Guerra Fria, todos os três políticos integraram a casta dirigente comunista em seus respectivos países. No entanto, ao contrário de Kwasniewski e Iliescu, o alemão desapareceu do palco político logo após o colapso do Bloco Oriental.
Em 1995, Kwasniewski, então ex-ministro da Juventude, foi eleito presidente da Polônia, conseguindo impor-se até mesmo contra o legendário ativista dos direitos civis Lech Wałęsa. Iliescu, ex-secretário do Comitê Central da Romênia, inicialmente sucedeu o ditador Nicolae Ceausescu, fuzilado no Natal de 1989, e cinco meses depois vencia as eleições presidenciais.
Modrow não pôde sequer sonhar com uma carreira assim. Logo após a queda do chefe de Estado e de partido da República Democrática Alemã (RDA), Erich Honecker, ele ainda ocupou o posto de primeiro-ministro. Contudo, na Alemanha pouco depois reunificada, além de um mandato parlamentar só lhe sobrou um título de "presidente honorário" do novo Partido do Socialismo Democrático (PDS).
Esse foi o nome adotado pela antiga legenda única na RDA, o Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED). Após a queda da Alemanha Oriental, seu destino parecia selado: a sigla estava indelevelmente associada à construção do Muro de Berlim e aos muitos mortos na fronteira entre as Alemanhas.
Gregor Gysi, estrela pós-comunista
Apesar de tamanha hipoteca histórica, os ex-comunistas seguiram desempenhando um papel político na República Federal da Alemanha (RFA) unificada.
Seus principais políticos estavam fora de cogitação para os cargos estatais e governamentais mais altos. Porém, no leste do país, o PDS se estabeleceu rapidamente, e há 25 anos é um elemento de peso nos Legislativos estaduais.
Como parceiro de coalizão do Partido Social-Democrata (SPD), ele chegou a se estabelecer como fator de poder na década de 90. Assim, se desmentiam os prognósticos de que mais cedo ou mais tarde os pós-comunistas sumiriam do panorama político.
No início, a figura central para a sobrevivência e prosperidade da legenda sucessora do SED foi Gregor Gysi. Como primeiro presidente do PDS, o advogado de Berlim Oriental guiou o partido politicamente falido, mas financeiramente bem dotado, através dos turbulentos meses que sucederam a queda do Muro. Desde então, é ele que mexe os pauzinhos, diante e por trás dos bastidores.
Dotado de alta inteligência, retórica refinada e presença de espírito, Gysi é totalmente o contrário do estereótipo de um maçante funcionário da velha escola comunista alemã. Com magnetismo e carisma, no início do século ele preparou o caminho para a entrada do PDS no governo da cidade-estado Berlim. Por um breve período Gysi foi vice do prefeito Klaus Wowereit, o social-democrata que mais tarde ganharia projeção internacional.
Nasce o A Esquerda
A aliança PDS-SPD na antiga cidade de fronteira foi possivelmente o mais importante impulso modernizador para os ex-comunistas. O que ainda faltava era o salto para a parte ocidental do país.
Um colaborador involuntário nesse sentido foi o então chanceler federal social-democrata, Gerhard Schröder, em pessoa. Com suas reformas radicais do mercado de trabalho e da economia, ele jogou numerosos representantes da ala de esquerda de seu partido nos braços abertos do PDS.
Nesse processo, a figura alemã ocidental de integração foi um companheiro de longa data de Schröder: Oskar Lafontaine. O ex-líder social-democrata e ex-ministro se transformou a figura de proa do Alternativa Eleitoral Trabalho e Justiça Social (WASG), fundado em 2005. Dois anos mais tarde, esse partido e o PDS uniam suas forças para fundar o A Esquerda (em alemão: Die Linke).
Avanço em nível federal
Em largas linhas, a jovem legenda alcançara sua meta de se tornar uma força política em toda a Alemanha – e não apenas nos antigos estados da RDA. Nas metrópoles e áreas de grande concentração demográfica como a região do Vale do Ruhr, os novos esquerdistas já compõem o establishment. Só nas regiões de economia mais próspera e estruturas mais conservadoras, como o sul e o sudoeste, eles ainda encontram dificuldade para se firmar.
O A Esquerda comemorou sua maior vitória em nível estadual no pleito legislativo da Turíngia de 2014. Desde então, o estado livre no leste alemão é governado por Bodo Ramelow, natural da Alemanha Ocidental.
O fato de na bancada parlamentar do partido estarem sentados deputados que trabalharam para o Stasi, a polícia secreta da RDA, confirma, por um lado, a existência de sombras do passado que persistem até hoje. Por outro lado, elas atualmente são pequenas demais para chegar a obscurecer a facção esquerdista como um todo.
Líder se retira, A Esquerda prossegue
Nos primeiros anos após a queda da RDA, parte dos políticos do oeste, sobretudo conservadores católicos, praticou uma "campanha das meias vermelhas", de rechaço a todos os remanescentes da política do extinto Estado. No entanto, ao jogar grosseiramente na mesma panela antigos e novos esquerdistas, a campanha acabou fortalecendo os ex-comunistas.
No 25º aniversário da Reunificação alemã, o A Esquerda, erguido sobre as cinzas do comunismo, é parte integrante da paisagem política nacional. A estabilidade do partido é tamanha que ele é capaz de resistir ao afastamento de sua estrela máxima, Gregor Gysi. Em meados de outubro, o político não mais se candidatará à presidência da bancada esquerdista no Parlamento, onde desde 2013 o partido é a principal força oposicionista.
Entretanto o sonho de Gysi, de uma participação do A Esquerda no governo federal, ainda poderá levar bastante tempo para se concretizar. No momento são muito pronunciadas as diferenças programáticas em relação ao SPD e ao Partido Verde, os quais, ao longo dos anos se moveram mais em direção ao centro. Quem ocupa o posto vago no limite do espectro político é o partido que se chama, justamente, A Esquerda.