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O que a Rússia pretende com reunião de grupos palestinos

27 de fevereiro de 2024

Moscou sediará encontro entre representantes do Hamas, da Jihad Islâmica Palestina e OLP. Especialistas avaliam que, com evento, Putin quer mostrar que tem influência geopolítica.

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Azzam al-Ahmed (e), do Fatah, e Moussa Abu Marsuk (c), do Hamas, durante uma conversação no Cairo, em 2011
Representantes do Fatah e do Hamas durante um encontro semelhante no Cairo, em 2011

Nesta semana, representantes de vários grupos palestinos viajarão a Moscou para conversações sobre a guerra entre Israel e Hamas e outros tópicos do Oriente Médio no que está sendo chamado de um "diálogo interpalestino".

O vice-ministro do Exterior da Rússia, Mikhail Bogdanov, disse à agência de notícias estatal russa Tass que de 12 a 14 organizações participarão da conferência, que terá início nesta quinta-feira (29/02) e durará de dois a três dias.

Isso inclui representantes do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, duas organizações consideradas terroristas pela União Europeia e os Estados Unidos, e de grupos moderados, como o Fatah, a organização que administra a Cisjordânia ocupada, e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que é a associação mais ampla de grupos palestinos.

Esses vários grupos assumem posições muito diferentes em tópicos como o reconhecimento do Estado de Israel. A OLP, liderada pelo Fatah, reconheceu Israel em 1993, parcialmente em troca de um possível Estado palestino. O Hamas tem rejeitado isso há anos, embora na sua carta de princípios de 2017 concorde com um Estado palestino nos limites de 1967, mesmo sem reconhecer explicitamente Israel. O Hamas, assim como a Jihad Islâmica Palestina, não faz parte da OLP.

Também houve atos de violência entre os grupos. Hamas e Fatah são rivais. O Hamas, depois de vencer as eleições na Faixa de Gaza, em 2006, não conseguiu chegar a um acordo de divisão de poder com o Fatah, e os combates começaram. O Fatah acabou saindo da Faixa de Gaza, deixando o Hamas no comando, e hoje administra a Cisjordânia; sua autoridade governamental lá é conhecida como a Autoridade Palestina (AP).

"Diálogo pelo diálogo"

Essa não é a primeira vez que uma frente palestina mais unificada é discutida. Como lembra o especialista russo em Oriente Médio Ruslan Suleymanov, já houve mediações entre os diferentes grupos anteriormente, mas elas jamais foram bem-sucedidas.

No atual caso, "a Rússia não tem nenhum roteiro para o caso palestino, especialmente para a Faixa de Gaza, pois para isso seria necessário ter funções de mediação e manter bons contatos tanto com Israel quanto com a ala paramilitar do Hamas em Gaza", disse Suleymanov.

Diante disso, ele avalia que os principais objetivos de Moscou são mostrar que tem alguma influência sobre as facções palestinas e, de olho na eleição presidencial, que tem alguma influência geopolítica. A Rússia elegerá um novo presidente em meados de março. Não há dúvida de que o atual, Vladimir Putin, vencerá. "Na verdade, trata-se apenas de diálogo pelo diálogo", acrescentou Suleymanov.

Essa opinião é compartilhada pelo especialista Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Essa cúpula russa é uma forma de mostrar que a Rússia tem a capacidade diplomática de desempenhar um papel prático no apoio à unidade nacional palestina", diz. No entanto, as conversações anteriores em Moscou, em Argel e no Cairo "não conseguiram fechar um acordo de reconciliação duradouro entre os rivais".

Fragmentação palestina

"As divergências entre os grupos palestinos incluem diferenças políticas grandes, relacionadas ao processo de paz e à estratégia de libertação nacional, bem como questões técnicas em termos de como trazer as instituições da Autoridade Palestina de volta a Gaza", diz Lovatt.

O Hamas, que é classificado como organização terrorista pela Alemanha, pela União Europeia e pelos Estados Unidos, governa Gaza desde 2007. Qualquer cenário futuro, pós-guerra, que leve a Autoridade Palestina de volta a Gaza e integre o Hamas politicamente na Cisjordânia ocupada, teria que se basear em alguma forma de entendimento entre o Hamas e a AP, observa Lovatt.

Ismail Haniya e Mahmoud Abbas
Ismail Haniya, um dos líderes do Hamas, e Mahmoud Abbas, do Fatah, dois grupos palestinos que são rivaisFoto: Mohamed Hams/EPA/picture alliance/dpa

Para o ex-primeiro-ministro palestino Mohammad Shtayyeh, essa é uma possibilidade. No início de fevereiro, ainda no cargo, ele disse, às margens da Conferência de Segurança de Munique, que o Hamas era parte integrante da arena política palestina. "Eles precisam se unir à nossa agenda política. Nossa base é muito clara: dois Estados nas fronteiras de 1967, por meios pacíficos. Os palestinos precisam estar sob um único guarda-chuva", declarou.

Na prática não é bem assim. Vários países já declararam que o Hamas não deveria poder desempenhar um papel na governança após o fim do conflito. Israel, em particular, se opõe a isso. Também é difícil saber como a posição radical do Hamas em relação ao reconhecimento de Israel poderia ser conciliada com a da OLP, que já reconheceu Israel.

Para a Rússia, mesmo que a reunião não tenha resultados práticos, a continuidade da divergência palestina não seria necessariamente um resultado negativo. A reunião ajudaria, mesmo assim, a consolidar o futuro papel da Rússia no Oriente Médio.

A Rússia no Oriente Médio

Por muitos anos, a Rússia soube manter laços estreitos com Israel mesmo mantendo também boas relações com um dos maiores adversários regionais de Israel, o Irã. As relações se deterioram após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, quando o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não demonstrou apoio à invasão russa, e milhares de russos e ucranianos fugiram para Israel.

Suleymanov analisa que a Rússia não pode realmente "se dar ao luxo de perder Israel também", já que a comunidade de língua russa é a maior minoria em Israel desde que cerca de 1 milhão de pessoas de origem judaica migraram para o país do Oriente Médio após o colapso da União Soviética, no início da década de 1990.

Mas os laços entre a Rússia e o Irã também são fortes. O Irã é conhecido por apoiar o Hamas, o Hisbolá no Líbano, grupos paramilitares iraquianos e os rebeldes Houthi no Iêmen – todos eles consideram os EUA e Israel seus inimigos.

A Rússia mantém há tempos laços com militantes palestinos, e seus contatos com o Hamas já se mostraram úteis. Em outubro, Bogdanov, que também é o enviado especial de Putin para o Oriente Médio, entregou uma lista de reféns israelenses de origem russa ou com dupla nacionalidade aos representantes políticos do Hamas no Catar e pediu a libertação deles.

Roni Krivoi, um técnico de som russo-israelense, foi libertado pelo Hamas em 26 de novembro, além de 13 israelenses que foram libertados como parte de um cessar-fogo temporário intermediado pelo Catar e pelos Estados Unidos. Como o jornal americano Washington Post observou na época, Krivoi "se tornou o primeiro homem adulto com passaporte israelense libertado, mesmo com a maioria das trocas [de reféns] envolvendo mulheres e crianças".