Opinião: Merkel, a garota de capa
Você sabe quem foi escolhido personalidade do ano pela revista Time nos anos de 1938, 1942 e 1979? Ou quem ficou em segundo lugar atrás da chanceler federal alemã, Angela Merkel, em escolha realizada nesta semana? A resposta resulta numa galeria de pessoas bastante desprezíveis do passado e do presente: Adolf Hitler, Josef Stalin, o aiatolá Ali Khomeini e Abu Bakr al-Baghdadi, líder da organização jihadista "Estado Islâmico" (EI).
Com isso fica evidente que a escolha da revista Time não visa a ser uma distinção do bem, do nobre e do belo. São coroados simplesmente aqueles que, segundo a percepção dos editores da publicação nova-iorquina, tiveram o maior impacto sobre os eventos mundiais – tanto positiva como negativamente.
Obviamente, a redação da revista Time relevou que Merkel instiga somente causas boas – algo expressado de maneira clara no belo título da atual edição: "A chanceler do mundo livre". Por outro lado, é uma manchete que não representa algo extraordinário, já que o número de Estados que dão ao seu chefe de governo o título de chanceler é bastante reduzido.
Os editores da Time não economizaram em justificativas eloquentes para a escolha de Merkel: eles falam de uma "liderança moral inabalável de todo um continente" – na crise da Ucrânia, na crise do euro, no acolhimento de inúmeros refugiados e na luta contra o terrorismo depois dos atentados de Paris. E não deixam de especificar valores dignos de uma filha de pastor, caso de Merkel: "Humanidade, bondade e tolerância." Será que os aposentados e desempregos da Grécia também assinariam esta declaração?
A parte mais bonita da justificativa enaltece a versatilidade de Merkel: "É raro testemunhar um líder no processo de fugir de uma identidade nacional antiga e perturbadora." Quem são aqueles que de fato são perturbados, infelizmente, segue em aberto. Talvez mais um grupo de intelectuais esquerdistas assalariados num país que praticamente não recebe refugiados?
Na Alemanha, em todo caso, a confiança dos eleitores em Merkel está diminuindo rapidamente. E a tormenta acaba sobrando principalmente às cidades e aos municípios alemães, que têm de acolher cada vez mais refugiados e não sabem onde acomodá-los. Mas, segundo a chanceler, nós conseguiremos manejar a situação.
Também para muitos países vizinhos europeus, a "velha" e previsível Alemanha era mais simpática do que a superpotência cunhada por Merkel. A diplomacia alemã na União Europeia (UE) não foi exatamente balanceada neste ano – como no caso da Grécia e, certamente, da crise migratória.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, acusou a governo da chanceler federal alemã de "imperialismo moralista" e tem encontrado cada vez mais aliados. No entanto, aparentemente, a crítica afiada ao seu curso não incomoda Merkel nem um pouco. Como resultado, em dezembro de 2015, a capacidade de agir como uma unidade política da UE só existe no papel. Assim que boa liderança se parece?
Os editores da Time não têm que se preocupar com tudo isso. No passado – vide acima – personalidades bem diferentes foram eleitas a "Pessoa do Ano". A única preocupação da redação da revista americana é simplesmente produzir uma edição que tenha um bom retorno nas bancas.
E não se pode negar que há certo fascínio pelo experimento social de Angela Merkel. Embora seja muito mais confortável observar tudo do outro lado do Atlântico, em vez de a partir do coração da própria Europa.