Se eles pelo menos tivessem votado por convicção, se pelo menos acreditassem que podem realmente ajudar seu país com a saída da União Europeia (UE). Mas muitos parlamentares britânicos que, com seus votos, colocaram definitivamente o Brexit em andamento votaram tanto contra o seu coração quanto contra a sua razão.
Contra a sua razão porque a saída da UE certamente terá, pelo menos no curto e médio prazos, implicações negativas para a economia britânica. Contra o seu coração porque muitos passam mal diante da perspectiva de se divorciar de Bruxelas e ficar cada vez mais dependentes do imprevisível presidente dos EUA, Donald Trump. "Uma catástrofe", disseram muitos parlamentares nos últimos dias.
É claro que há os brexiteers, aqueles que acreditam que um Reino Unido independente de Bruxelas reencontrará o seu caminho de glórias, rumo à grandeza de outrora, sem ser atrapalhado pelos little europeans. Mas eles são minoria. A maioria dos deputados se declarou, durante a campanha do referendo, a favor da permanência na UE.
E, mesmo assim, o governo da primeira-ministra Theresa May conseguiu passar seu projeto de lei sem maiores dificuldades pela câmara baixa do Parlamento. Quem se opuser ao Brexit e não apoiar o governo age contra a vontade do povo, diz o pensamento dominante, mesmo entre os deputados dos dois maiores partidos. Jornais eurocéticos miram os adversários do Brexit, e quem fizer campanha pública a favor da UE deve temer até ameaças de morte. O debate na Câmara dos Comuns, conduzido ao longo de vários dias, por vezes de forma apaixonada, foi, ao menos por enquanto, o ponto culminante da tragédia europeia que, no pior caso, pode contribuir para que o continente se desintegre em Estados nacionais.
A população britânica apoia o curso duro adotado por May, que quer sair do mercado comum. Segundo sondagens, a estratégia dela ganha cada vez mais aprovação. Não há como voltar atrás, os britânicos agora querem clareza sobre quais consequências a saída realmente terá e querem que as negociações com a UE comecem o quanto antes.
Foi um erro de avaliação histórico do ex-premiê David Cameron achar que poderia ganhar o referendo. A maioria dos parlamentares na Câmara dos Comuns acreditou nele e votou pela realização do referendo. A partir desta quarta-feira (08/02), eles não têm mais como evitar o Brexit. Mas eles não deveriam se deixar intimidar, nem pela fidelidade partidária, nem pelos brexiteers, nem pela impaciência dos eleitores. Nos próximos dois anos, eles deveriam aproveitar cada oportunidade para influenciar o processo do Brexit. May anunciou que o Reino Unido vai sair da UE, não que ele vai se afastar da Europa. Os parlamentares deveriam levá-la ao pé da letra.