Jornalismo e narcotráfico
21 de junho de 2011Anúncio
No início de junho, uma comissão internacional formada por ex-presidentes, diplomatas e ministros – entre eles o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, o Nobel Mario Vargas Llosa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – recomendou que governos repensassem suas estratégias antidrogas e apostassem na legalização do consumo.
A mesma questão acendeu o debate sobre "Jornalismo e guerra contra o narcotráfico na América Latina", um dos painéis realizados no Deutsche Welle Global Media Forum nesta terça-feira (21/06) em Bonn. A localidade mexicana de Ciudad Juárez, considerada a mais violenta do mundo, foi outro ponto forte da discussão.
Para Günter Wallraff, um dos mais renomados jornalistas investigativos alemães e participante do painel, a legalização e a descriminalização das drogas é o caminho para combater os cartéis e diminuir o consumo. Wallraff também criticou a escassez de reportagens sobre questões ligadas ao narcotráfico na Alemanha, apesar de o país abrigar milhares de consumidores e ter suas cadeias repletas de presos ligados ao tráfico.
Sua conterrânea e também jornalista Doris Ammon disse no painel considerar a proposta de legalização "sedutora", mas acredita que os problemas-chave sejam o controle das rotas do tráfico e da lavagem de dinheiro. São esses os motores do negócio lucrativo que atrai empresários muitas vezes ligados a outros setores ilícitos, como o tráfico humano, por exemplo.
No início do ano, Ammon mergulhou no tema das drogas ao viajar pelo México para produzir o documentário Im Würgegriff der Drogenmafia ("Nas garras da máfia das drogas"). Veiculado pelo canal alemão de TV 3Sat, em abril, o especial retrata a localidade mexicana de Ciudad Juárez, na fronteira com os Estados Unidos, que aparece como a mais violenta do mundo em diversas estatísticas. "A grande dificuldade foi julgar o ponto de vista oficial", disse Ammon, ao relatar que policiais armados acompanharam a equipe durante as filmagens, o que significou proteção, mas ao mesmo tempo uma espécie de filtro sobre a realidade do país.
O caso mexicano
Estima-se que mais de 40 mil pessoas tenham morrido no México desde que o presidente Felipe Calderón declarou guerra ao narcotráfico em 2006. Em 2010, 13 jornalistas foram assassinados no México devido às suas coberturas sobre o tema. De acordo com a organização não governamental Repórteres sem Fronteiras (RSF), o país oferece as piores condições para jornalistas no continente.
Gerardo Rodríguez Jiménez é editor-chefe do El Diário – jornal sediado em Ciudad Juárez, no estado mexicano de Chihuahua – e também participou do painel no Deutsche Welle Global Media Forum. Ciudad Juárez é uma das maiores cidades mexicanas, vizinha a El Paso, no Texas, EUA. E a localidade também é palco da maioria dos assassinatos ligados ao narcotráfico no país. Somente em 2010, foram assassinadas 3.115 pessoas na cidade. Até 15 de junho deste ano, já havia mais de mil mortes registradas.
Após o assassinato de três jornalistas do jornal, Jiménez conta que o El Diario publicou em protesto um editorial intitulado Que quieren de nosotros? ("O que querem de nós"). "Não esperávamos uma resposta, era uma pergunta retórica". "Queríamos apenas um momento de paz para decidir como continuaríamos agindo", relata o editor-chefe.
E o jornal continuou reportando sobre o narcotráfico, buscando manter a sua independência editorial. "Não sabemos em quem confiar e não confiamos em ninguém no México", diz Jiménez, citando a corrupção das autoridades como uma das dificuldades da cobertura jornalística.
Outra que luta para denunciar a violência na cidade é a jornalista Judith Torrea, autora do blog Ciudad Juárez, en la sombra del narcotráfico, que levou o prêmio da ONG Repórteres sem Fronteiras na edição deste ano do The BOBs, o concurso internacional de blogs da Deutsche Welle. A jornalista independente começou o blog há dois anos e meio e, em 2011, publicou na Espanha e no México o livro Juárez en la sombra: crónicas de una ciudad que se resiste a morir.
Jornalismo e narcotráfico
Apesar de citar outros países durante sua exposição no painel, Benoît Hervieu, chefe da seção Américas da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), ressaltou que a situação do México, cuja economia também dependente do narcotráfico, é de longe a mais grave entre os países latino-americanos. Uma das razões é a fronteira com os Estados Unidos. "Cerca de 80% das drogas que circulam no México vão para os EUA e 80% das armas que circulam no México vêm dos EUA", afirma.
No contexto mexicano, onde nas palavras de Hervieu "o negócio do narcotráfico supera tudo", a cobertura jornalística é, portanto, difícil e arriscada, mas ao mesmo tempo, extremamente necessária. "O narcotráfico é a primeira fonte de risco físico para jornalistas", ponderou.
Para o ativista, o tráfico de drogas põe em questão o próprio funcionamento da mídia. "Como explorar o que há por trás do crime organizado e os efeitos sobre o cotidiano da população? Quem serão as fontes quando não se pode confiar nas autoridades?", questionou. Segundo Hervieu, o narcotráfico tem impacto sobre os jornalistas e as fontes, que podem vir a ser vítimas, e também sobre a própria cobertura do assunto.
Autora: Luisa Frey
Revisão: Carlos Albuquerque
Revisão: Carlos Albuquerque
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