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Partidos ficarão fracos sem inclusão feminina, diz ministra

10 de maio de 2024

Primeira magistrada negra do TSE, Edilene Lôbo falou à DW sobre como falta de representatividade no poder e circulação de desinformação e discursos de ódio corroem democracia.

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Edilene Lôbo em uma mesa olhando para o lado
Edilene Lôbo: "sociedade que se estrutura na desigualdade não tem futuro"Foto: Stefano Miliffi

Nesta semana, pela primeira vez em nove décadas da Justiça Eleitoral, duas ministras negras participaram de uma sessão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE): Edilene Lôbo, a primeira mulher negra na função, desde setembro de 2023, e Vera Lúcia Santana Araújo, empossada em fevereiro, são ministras substitutas, e ocuparam as cadeiras no plenário pela ausência de dois titulares.

"Senti muita falta de pessoas como eu por onde andei minha vida inteira", disse Edilene Lôbo em entrevista à DW, no início de maio, após palestra sobre democracia e empoderamento feminino na embaixada do Brasil em Berlim. "Sinto que minha presença é um gesto."

Além do Judiciário, Lôbo destacou a sub-representação das mulheres, sobretudo negras, na política. Das 16 milhões de pessoas filiadas a partidos políticos no Brasil, 47% são mulheres. No entanto, elas ocupam apenas 12% das prefeituras, 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 19% no Senado. "Se os partidos não abraçarem a ideia de que nós precisamos enfrentar esse tipo de desigualdade, vão perder importância", afirmou.

Lôbo falou ainda sobre regulação das redes sociais e da necessidade de transparência sobre os algoritmos e modelos de negócio dessas empresas.

DW: Como garantir maior representatividade de mulheres na política quando ainda vivemos uma realidade em que partidos burlam regras de cotas de gênero?

Edilene Lôbo: Precisamos falar de lugares marcados nos parlamentos para as mulheres, e falar de equidade racial nesses lugares marcados. E precisamos, mais do que nunca, falar da responsabilidade das agremiações partidárias com esse futuro, que tem que ser para hoje. Esse futuro que não chega nunca. Se os partidos não abraçarem a ideia de que precisamos enfrentar esse tipo de desigualdade, vão perder importância. E não interessa para ninguém que os partidos percam importância, porque são instituições da democracia representativa. Se eles caem, fragiliza a democracia.

Uma sociedade que se estrutura na desigualdade não tem futuro. Então isso deveria ser do interesse de todos, falar de inclusão, falar de diversidade, falar de partilha. É falar de uma vida boa para todo mundo, inclusive para as famílias dessas pessoas que estão talvez nos melhores lugares hoje. Mas se a coisa continuar como vai, não vai sobrar nada para ninguém.

A senhora furou essa barreira, ainda é, infelizmente, uma exceção. Uma vez dentro de um espaço majoritariamente masculino e branco, como é lidar com o sexismo e o racismo estrutural?

Agora sou ministra substituta no Brasil, com mandato de dois anos, que vence no ano que vem. Em 92 anos da Justiça Eleitoral, sou a primeira ministra negra naquela corte. Quando cheguei ao TSE, fui muito bem recebida, portas abertas. Agora, estamos falando de um lapso, uma lacuna de 92 anos, e ainda assim em uma função que tem uma limitação. Precisamos dar um passo adiante. Como falamos de cota nos parlamentos, precisamos discutir a partilha justa dos espaços decisórios, inclusive no Judiciário.

O que tem sido feito nessa direção?

Esse é um problema no Judiciário em geral. No Brasil, nas carreiras iniciais, as mulheres chegam. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, é quase 50/50 homens e mulheres. As mulheres começam a desaparecer, e você quase não vê negras, quando falamos dos escalões do Judiciário que envolvem a escolha política. Então temos uma resolução do final do ano passado do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] que destaca, por exemplo, que as promoções em tribunais na segunda instância se dão por merecimento por atividade. As idicações terão de constar em listas, de homens e mulheres.

A senhora, inclusive, foi indicada a partir de uma lista. 

Por duas vezes eu estive – a primeira lista era para para o cargo de titular. Eram duas vagas, foram nomeados dois homens brancos para elas. Depois fiquei na lista de substitutos, vim para a vaga de substituta e agora, comigo, a ministra Vera Araújo, também uma negra. Somos as duas primeiras negras a chegarem, mas ainda estamos numa função de substituição.

O TSE deverá encabeçar as ações contra fake news e de regulação das plataformas digitais neste ano eleitortal, uma vez que o projeto de lei que tratava do assunto foi enterrado no Congresso?

Tenho observado que a sociedade brasileira pede regulação das redes sociais, pede ação na direção de construir uma legislação mais, diria eu, sólida e de olho, por exemplo, no que nós vemos na Europa, mas no campo da Justiça eleitoral, com base nas leis existentes.

O que o TSE tem feito não é criar regras, mas explicitar o conteúdo dessas leis por meio de resoluções. Tem uma resolução muito importante que é da propaganda eleitoral, em que lá está descrito, com todas as letras, que não pode desinformar, não pode usar a inteligência artificial para manipular, não pode veicular conteúdo ofensivo, atentatório ao estado democrático de direito e discurso de ódio.

O que o TSE faz é explicitar a legislação que nós temos. É amalgamar todo esse debate que já se fez na sociedade brasileira e aperfeiçoar algumas outras leis. Também confio que o Congresso Nacional vai entregar esse regramento no que diz respeito às eleições.

O que precisa ser regulado com mais urgência?

Precisamos, por exemplo, falar da transparência, do desenvolvimento do algoritmo. Precisamos saber como essas fórmulas neurais, essas receitas para responderem problemas ou entregarem produtos, se aplicam em determinadas situações da vida.

Construiu-se no entorno do mundo digital uma hipercomplexidade. Não compreendemos bem o modelo de negócio, me parece que há uma construção cuidadosa de segredos, e precisamos resolver isso. Se for inexplicável, provavelmente não é bom. Se for inexplicável, provavelmente não deve ser utilizado.