Projeto resgata papel dos judeus no futebol alemão
30 de janeiro de 2022Quando o craque do Schalke 04 Ernst Kuzorra cogitou em 1927 trocar o clube pelo SC 95 de Dortmund ou até mesmo ir para a academia de polícia em Münster, os chefes do clube fizeram todos os esforços para manter o jogador.
Grande torcedor e patrocinador do Schalke, o empresário Leo Sauer, dono de um grande açougue em Gelsenkirchen, deu uma ajuda, financiando uma carteira de habilitação para o atleta e contratando Kuzorra como motorista, possibilitando, assim, que o jogador tivesse uma renda regular no Schalke. Kuzorra fica e ajuda o clube a ganhar o campeonato seis vezes.
Histórias esquecidas
Muitas dessas histórias, que deleitam os torcedores, foram esquecidas por décadas. Mas elas são de particular importância para além do esporte e dos limites da cidade.
Leo Sauer era judeu. E ele foi assassinado, como cerca de seis milhões de judeus exterminados durante o Holocausto. Sauer foi deportado depois que os nazistas tomaram o poder e morreu pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, após uma tentativa fracassada de escapar do campo de concentração na "marcha da morte".
"Em 1994, o Schalke foi o primeiro a incluir em seus estatutos a luta contra o racismo e a discriminação", diz Thomas Spiegel, funcionário do Schalke e que participou das pesquisas sobre a biografia de Sauer.
No início dos anos 2000, foi encomendado um estudo que tratava do destino de todos os judeus alemães próximos ao clube. Por exemplo, o do segundo presidente, Paul Eichengrün, que renunciou ao cargo em 1933 e conseguiu fugir para os Estados Unidos.
Ou história do talentoso jovem jogador Ernst Alexander, cuja promissora carreira teve um fim abrupto: os nazistas proibiram os judeus de serem membros de clubes esportivos. Após anos de fuga, Alexander foi capturado pelos nazistas em 1942 e, depois, assassinado em Auschwitz.
Hoje, o Schalke 04 homenageia pessoas que trabalham pela integração, diversidade e tolerância com o Prêmio Ernst Alexander. O que também ficou claro no estudo: "O Schalke não protegeu seus torcedores judeus", lamenta Spiegel, em entrevista à DW.
Pesquisa de torcedores
Assim como ocorre em muitos outros clubes de futebol, são sobretudo os torcedores que promovem a cultura da memória do clube. Por vários anos, eles vêm coletando cuidadosamente - de forma mais empenhada desde a Copa de 2006 na Alemanha - sobre a relação dos judeus e clubes durante a era nazista e além dela, como membros do clube, como jogadores, como dirigentes ou como patrocinadores.
O projeto prevê que essa pesquisa seja organizada numa enciclopédia online do Museu Alemão do Esporte. "Com o projeto online, chamamos a atenção para o destino dos pioneiros judeus do esporte, que foram marginalizados e assassinados mas que ajudaram muito a desenvolver o futebol na Alemanha", diz o diretor do museu, Manuel Neukirchner. "Também é nossa preocupação enviar um sinal permanente contra qualquer tendência antissemita e racista no futebol atual."
Influência judaica
"A enciclopédia pretende mostrar que a ascensão do futebol alemão teria sido completamente impossível sem os judeus", explica o historiador do esporte Henry Wahlig à DW. "Todo o futebol alemão foi fortemente influenciado por jogadores judeus. O projeto deve se tornar o memorial central virtual do futebol alemão."
A enciclopédia inclui jogadores de futebol famosos, como Julius Hirsch, o fundador da revista especializada Kicker, Walther Bensemann, e Karl Levi.
Mais de 200 jogadores, treinadores, sócios e patrocinadores judeus já estão catalogados, e 25 clubes e grupos contribuíram com os textos.
O léxico deve continuar a crescer, e turmas escolares devem ser incentivadas a fazer pesquisas nele. Para que histórias e destinos como os de Leo Sauer, Ernst Alexander e muitos, muitos outros possam finalmente ser contados novamente - ou pela primeira vez.