Mortes em protestos: Moçambicanos exigem justiça
27 de novembro de 2024Em Moçambique, a tensão pós-eleitoral dá sinais de um escalar sem precedentes. O atropelamento por um veículo militar contra uma mulher em Maputo foi mais lenha na fogueira.
Os vídeos nas redes sociais mostram o carro blindado em alta velocidade, a dirigir-se contra os manifestantes alegadamente de forma intencional. As labaredas do ódio tomaram conta da população: A vingança contra os agentes das forças de segurança começou.
O investigador João Feijó entende que a atrocidade das autoridades "já é matéria para o Tribunal Penal Internacional, sem prejuízo da Procuradoria-Geral da República intervir."
A PGR "devia ser a primeira a fazê-lo, mas está mais preocupada com coisas mesquinhas como 'suca FRELIMO' ou 'suca CNE', a perseguir o candidato Venâncio Mondlane, a acusá-lo de golpe de Estado, com o Banco de Moçambique a confiscar-lhe as contas", lamenta Feijó.
"Não sei o que está a acontecer. Isto é uma polícia política? É uma polícia da FRELIMO?"
Queixas contra as forças de segurança
Os excessos da polícia, que engordaram desde o início das manifestações contra a fraude eleitoral, a 21 de outubro, já levaram a sociedade civil a entrar com queixas a nível internacional.
Também o candidato presidencial Venâncio Mondlane e o partido que o suporta, o Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS), submeteram uma petição no Tribunal Penal Internacional (TPI).
Albino Forquilha, líder do partido, garante à DW que não estão sozinhos nesta causa: "Temos organizações regionais e até de fora da região da SADC que têm estado a receber as nossas petições, como foi o caso que entrou no Tribunal Penal Internacional. Há um conjunto de organizações que estão a lidar connosco, a assistir-nos nessa matéria."
A nível nacional, contam com o apoio de organizações como o Centro para a Democracia e os Direitos Humanos (CDD), Mais Integridade e a Comissão dos Direitos Humanos.
Ordem dos Advogados pronta a facultar provas
A sociedade civil fala em mais de 50 mortos nos protestos pós-eleitorais, enquanto o PODEMOS fala em mais de 110, em resultado da violência policial. Os números oficiais estão muito "aquém da realidade". Mas não falta convicção, nem vontade de fazer justiça entre as organizações.
A Ordem dos Advogados, que monitoriza e assiste juridicamente as vítimas, já garantiu disponibilidade, caso seja chamada a testemunhar no TPI: "A Ordem não tem como se furtar dessa obrigação para com o povo moçambicano", comenta Ferosa Zacarias, que dirige a secção de direitos humanos da organização.
"Seria um dever da Ordem se pronunciar, sem contar que a Ordem tem estado no terreno e há muito a facultar sobre este e demais processos. Não há espaço para um não", acrescenta.
Quem não se pronuncia, por enquanto, é a Ordem dos Médicos de Moçambique. Fonte do órgão disse à DW que o fará em momento oportuno.
O Bastonário dos Médicos recebeu esta semana uma carta do candidato presidencial Venâncio Mondlane a solicitar colaboração na qualidade de testemunha no TPI no caso dos excessos da polícia durante os protestos.
Enquanto isso, o atropelamento militar impulsiona processos-crime a nível internacional: "Vamos [recolher] essas provas, e vamos poder partilhar com as organizações que já receberam as nossas petições para dizer que os assassinatos continuam, que esse é o modus operandi de resposta ao direito à manifestação", afirma Albino Forquilha, do PODEMOS.
"Penso que as instituições competentes saberão agir para que esse tipo de situações não aconteça em Moçambique", diz.
"Não merecemos esses baleamentos todos"
Enquanto isso, o Ministério da Defesa assumiu o atropelamento e disse ter sido acidental. Num comunicado, lamenta "profundamente o ocorrido" e assume "total responsabilidade na assistência médica e psicossocial da vítima".
Albino Forquilha diz que, independentemente do suposto acidente, o objetivo agora é chamar a atenção da comunidade internacional: "A nossa ação fundamental é denunciar o que está a acontecer, que é contra todo o senso de quem luta por justiça. Não merecemos esses baleamentos todos, mas de cada vez que fazemos as manifestações, somos mortos, baleados, atropelados."
Uma medida prevista, salienta o líder político, é a "denúncia ao nível das organizações dos direitos humanos regionais e internacionais, para ver até que pontos nos podemos assessorar, por forma a que tenha condenações, nacionais e internacionais."
É uma perceção partilhada pela sociedade civil. "É inevitável que agora, ainda mais, estamos de olho na comunidade internacional", afirma Ferosa Zacarias, da Ordem dos Advogados.
"Não há como ficar indiferente diante do que assistimos hoje. Todos têm de olhar para Moçambique. Já estão esgotadas as respostas nacionais. Precisamos do olhar internacional para que se possa cessar com tamanha e injustificada violência contra os cidadãos moçambicanos", conclui.
Nota da redação: Uma versão anterior deste artigo referia que o atropelamento vitimou mortalmente a manifestante, mas de acordo com informações recolhidas entretanto pela DW junto da família, a cidadã encontra-se hospitalizada nos cuidados intensivos - Atualizado às 13:09 (CET) de 28 de novembro de 2024