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"Estado está a comprar simpatia e consciência dos militares"

11 de dezembro de 2024

A ativista Fátima Mimbire considera que pagamento de retroativos a militares é um sinal de preparação da declaração de Estado de Emergência. Em entrevista à DW, teme o envolvimento de soldados ruandeses na crise no país.

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Fátima Mimbire, ativista política, numa foto recente
Fátima Mimbire: "Tenho medo que, de facto, uma franja muito grande dos militares comece a achar que o Governo já os ama, respeita e considera"Foto: Nádia Issufo/DW

A súbita decisão do Governo de Moçambique pagar retroativos aos militares em época de convulsões sociais deixou a sociedade boquiaberta. É que na última semana o Presidente da República, Filipe Nyusi, tinha dúvidas sobre o pagamento de salários da função pública, devido aos longos e violentos protestos contra a alegada fraude eleitoral no país.

Fátima Mimbire diz que se trata de uma tentativa de "compra de simpatias". A ativista desconfia que o Executivo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, esteja a contar com as Forças Armadas para decretar um eventual Estado de Sítio.

Sobre uma eventual colaboração dos soldados, Mimbire receia que, com o pagamento, "comecem a pensar que o Governo já os ama" e se esqueçam rapidamente dos maus-tratos a que são submetidos.

DW África: O pagamento de retroativos da Taxa Social Única (TSU) a esta altura de convulsões cheira-lhe a compra de simpatia dos soldados?

Fátima Mimbire (FM): Sim, sem dúvida. Os soldados nunca foram um grupo muito considerado pelo Governo nos últimos anos. Temos acompanhado uma expressão muito clara dos militares de insatisfação, pelas condições de trabalho que têm, como os atrasos no salário e o caso dos militares que foram para Cabo Delgado sem meios de trabalho, comida ou uniforme condigno, bem como condições essenciais como capacete e colete salva-vidas. O Presidente da República, na semana passada, anunciou que não iria ter condições para pagar os salários da função pública. No entanto, já pagou retroativos, e daqui a mais 10 dias, no máximo, terá de pagar os salários dos militares e terá que pagar também o 13.º salário.

Militares e membros de uma corporação de bombeiros respondem à ação de manifestantes no centro da cidade de Maputo, a 7 de novembro de 2024
Militares moçambicanos têm sido usados para dispersar manifestantes nos recentes protestos que assolam o paísFoto: Amos Fernando/DW

DW África: A estratégia seria ter soldados "obedientes" em caso de estado de emergência ou de sítio?

FM: Este é um sinal muito claro de que o Estado está a comprar a simpatia e a consciência dos militares para uma eventual declaração de Estado de Emergência ou Estado de Sítio, que, segundo informações que me chegam, está para breve. Quem deverá atuar durante este período são os militares, porque a polícia está totalmente desacreditada e as pessoas já não respeitam a polícia.

DW África: Vê riscos de os soldados se deixarem comprar, dada a precariedade de vida a que estão sujeitos?

FM: Sim, e por isso fiz aquela carta. É uma carta de uma cidadã desesperada, porque onde entram os militares, se eles se deixarem comprar por esses pagamentos, de facto, vai haver banho de sangue. Militares são militares em qualquer parte do mundo e sabemos como os militares reagem. Até aqui têm agido bem e têm cumprido a sua missão, que é efetivamente controlar a situação e assegurar que as pessoas estão protegidas. Agora tenho medo que, de facto, uma franja muito grande dos militares comece a achar que o Governo já os ama, respeita e considera, e esqueça a história muito recente de maus-tratos, desconsideração, perseguição, detenções e processos arbitrários.

Há que frisar que há militares neste momento que estão a ser torturados em alguns quartéis na cidade de Maputo, porque pronunciaram-se nas redes sociais ou porque estiveram envolvidos naquele caso de Ressano Garcia. Tenho medo de que haja uma franja de militares que eventualmente possa ser mobilizada para vir e agir de forma bastante contrária àquela que os militares têm tido até aqui. A outra opção que me assusta ainda mais é a possibilidade, de no caso de os militares moçambicanos não aceitarem entrar nessa tramoia, irem buscar os militares ruandeses. Os militares ruandeses não têm absolutamente nada a perder, porque não são irmãos e nem primos dos moçambicanos.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África