Moçambique: 23 de dezembro, dia do apocalipse?
20 de dezembro de 2024Um apocalipse com dimensões bíblicas é profetizado para Moçambique no dia 23 deste mês, dia do anúncio da validação ou não dos resultados eleitorais divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
A incógnita e o medo da violência tomam conta dos cidadãos, alguns dos quais ouvidos pela DW. É o que não esconde o cidadão Jaime Munguambe, que se manifesta inquietante.
"[Tenho] muito, muito receio de violência”, revela. "E acredito que esse dia vai ser violento, dependendo do que se vai anunciar", perspetiva.
O país vive há quase dois meses sob o espectro da violência. É que o povo, que saiu às ruas, já vincou que não reconhece Daniel Chapo, candidato presidencial da Frente de Libertação de Moçambique e nem o seu partido como os legítimos vencedores das eleições de 9 de outubro.
A preocupação toma conta inclusive de políticos como Manuel de Araújo, na eventualidade do Conselho Constitucional (CC) bater o martelo a favor de eventuais ilícitos eleitorais.
"Como o CC vai suprir esse ilícito? É uma dúvida”, questiona com interrogação o político de Quelimane. "Estamos aqui para ver e ouvir”, acrescenta expectante, prevendo um cenário menos abonatório no país. "Isso poderá, de facto, atiçar o ódio e a intolerância que já existem na nossa sociedade. Estamos bastante preocupados. Não sei como vamos descalçar essa bota sem mais derramamento e sangue, sem mais feridos, sem mais destruição de infraestruturas privadas e públicas", afirma Araújo.
Povo acantonado em casa
As principais cidades do país vivem uma azáfama. Alucinado, os cidadãos abastecem-se de mantimentos, prevendo o pior. Em breve, as prateleiras estarão novamente às moscas.
O povo planeia acantonar-se em casa, além de que o homem que está a mandar no país, Venâncio Modlane, assim o sugeriu. Munguambe recorre ao apelo para avisar que "todo o mundo está tenso, ninguém sabe o que se espera”. Por isso, admite que "será um dia complicado”. E, perante a realidade, considera que "essa ideia de todo o mundo ficar em casa foi a melhor".
Mas, a par disso, os olhos estão postos sobre Lúcia Ribeiro, presidente do Conselho Constitucional. Face aos discursos de ódio, está claro para todos que a segurança de Lúcia Ribeiro terá sido reforçada ao máximo. No imaginário popular, certamente que Ribeiro é uma cópia fiel do diabo na terra, a contar com os memes que a retratam e pela foto sua amplamente partilhada nas redes sociais, rezando numa das igrejas de Maputo.
Mas a número um do Constitucional, através de um vídeo institucional partilhado no Facebook, disse esta semana estar a ser vítima de ameaças. "Um cidadão que vive estas ameaças (…) anseia ver o seu país restabelecer a paz que perdemos em nome do que os promotores da desordem chamam de pressão para a busca da verdade eleitoral”, afirmou. "É isto que tem caraterizado os meus dias”.
Lúcia Ribeiro não deixou de expressar a sua inquietação ante o rumo dos acontecimentos em Moçambique. "Como cidadã me sinto inquieta pelas incertezas da vida, quando somos ameaçados, a nossa família é exposta. Então, tudo isso perturba-nos um bocado”, assumiu.
E também perturba ao povo o facto de o candidato da FRELIMO, Daniel Chapo, ter implicitamente se declarado vencedor esta sexta-feira (20.12), mesmo antes do acórdão do CC ser anunciado, contrariando os apelos feitos por Filipe Nyusi. O Presidente moçambicano recomendou esta quinta-feira (19.12) que se devia aguardar serenamente pelo acórdão do Constitucional, pelo que este paradoxo só reforça o descredito do povo em relação ao regime.
Recontar ou ordenar a recontagem?
A sociedade moçambicana está igualmente preocupada com prováveis atropelos à lei atribuídos ao Constitucional. A ativista social Quitéria Guirengane traz a lume questões de princípio, afirmando que o referido órgão, ilegalmente, usurpou tarefas que só competem à CNE.
"Nos preocupa que o CC esteja, de alguma forma, a ultrapassar algumas das linhas que a lei prescreve”, regista, apontando o dedo depois aos juízes conselheiros. "Com todo o respeito que temos pelos venerandos juízes conselheiros do CC, há procedimentos que configuram todo este processo. Por exemplo, no artigo 196, vemos lá que o processo de recontagem [...] refere que, se houver provas de ocorrência de irregularidades que ponham em causa a transparência do processo eleitoral, a CNE ou o CC ordena a recontagem das mesas”. A ativista sublinha: "não reconta, ordena a recontagem".
Manuel de Araújo queixa-se do mesmo e denuncia que os procedimentos de recontagem da CNE deviam ser feitos na presença de mandatários dos partidos políticos. O político, membro da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) – até agora maior partido da oposição –, questiona a recontagem à porta fechada.
"O CC está a fazer aquele trabalho que o STAE e a CNE deveriam ter feito, que é com transparência. Em primeiro lugar, vai solucionar o prolema levantado”, comenta Araújo.
Apetrechado stock de munições?
Inusitadamente, o Governo, que dificilmente atende as reivindicações salariais da função pública por escassez de recursos, decidiu responder as suas exigências em vésperas da leitura do acórdão. Suspeita-se que o objetivo seja minimizar a revolta popular com a ausência dos beneficiários das "simpatias", entre eles os professores e o pessoal do setor de saúde.
Também se advinha que as forças policiais tenham apetrechado o seu stock de munições. O povo suspeita que a violência vai aumentar exponencialmente.
A excessiva repressão policial na zona fronteiriça de Ressano Garcia é entendida como uma medida que visava permitir a entrada tranquila e segura de mais armamento para reprimir eventuais convulsões no dia "D".
Para Jaime Munguambe, essa suspeita é muito grande. "Só pelos acontecimentos tudo vai dar lá, com essas mortes", admite. Até lá, resta ao país orar. Manuel de Araújo diz: "Espero que o CC tenha a sabedoria do Rei Salomão” para "produzir um acórdão que aproxime as partes e que não nos divida ainda mais”.
E o político avisa: "Moçambique está completamente dividido e preocupa-me, neste momento, o facto de a situação tender a agravar-se”. Araújo deixa críticas ao Constitucional, "especialmente porque o exercício de relações públicas que o CC fez não serviu para amainar os ânimos”. E explica porquê. "Porque a metodologia que o CC está a seguir não parece dar garantias aos intervenientes".